O Banco Central está “suicidando” o Brasil
Sob o argumento de “controlar a inflação”, o Banco Central do
Brasil tem aplicado uma política monetária fundada em dois pilares:
adoção de juros elevados e redução da base monetária, que corresponde ao
volume de moeda em circulação. Na prática, tais instrumentos têm se
mostrado um completo fracasso.
Além de não controlar a inflação, os juros elevados têm afetado
negativamente não só a economia pública – provocando o crescimento
exponencial da dívida pública, que exige crescentes cortes em
investimentos essenciais –, mas também têm afetado negativamente a
indústria, o comércio e a geração de empregos. Por sua vez, a redução da
base monetária utiliza mecanismos que enxugam cerca de R$ 1 trilhão dos
bancos, instituindo cenário de profunda escassez de recursos, o que
acirra a elevação das taxas de juros de mercado e empurra o país para
uma profunda crise socioeconômica.
Segundo o famoso economista inglês Thomas Piketty, seria um suicídio
deixar de utilizar, em momentos de crise, o instrumento de emissão de
moeda e a prática de juros baixos. No Brasil, o Banco Central tem feito o
contrário e, adicionalmente, ainda alimenta o mercado com ração muito
cara: operações de swap cambial que têm gerado centenas de bilhões de
reais de prejuízos que são pagos à custa de emissão de mais títulos da
dívida pública!
Até quando nosso rico país, marcado pela abundância em todos os
aspectos, ficará submetido aos que usufruem e abusam do cenário de
escassez?
O Banco Central pratica uma política suicida, como escreveu Piketty em É possível salvar a Europa?:
“O poder infinito de criação monetária, detido pelos bancos centrais,
sem dúvida deve ser seriamente limitado. Entretanto, diante de grandes
crises, abrir mão de tal instrumento e do papel essencial de credor de
última instância seria um suicídio”. Essa afirmação de Piketty decorre
de observação baseada em fatos também expostos em seu livro, e que
merecem ser destacados: “Os Estados Unidos, o Reino Unido e o Japão
estão mais endividados ainda (com respectivamente 100%, 80% e 200% do
PIB em dívida pública, contra 80% na zona do euro), mas não conhecem a
crise da dívida. E por uma razão muito simples: o Federal Reserve
americano, o Banco da Inglaterra e o Banco do Japão emprestam a seus
respectivos governos a taxas baixas – menos de 2% –, o que permite
acalmar os mercados e estabilizar suas taxas de juros. Em comparação, o
Banco Central Europeu (BCE) emprestou muito pouco aos Estados da zona do
euro, daí a crise”. Diante disso, alguém poderia avisar a Alexandre
Tombini e cia. que a política monetária adotada por eles está
“suicidando” o Brasil?
O Banco Central, administrado por Tombini, não só abriu mão do
instrumento de emitir moeda como tem enxugado todo e qualquer volume de
moeda que ultrapassa os míseros 5% do PIB. Na última semana de 2015,
quando o Tesouro Nacional efetuou o pagamento das chamadas “pedaladas
fiscais” e injetou dezenas de bilhões de reais no sistema bancário, o
que fez o Banco Central? Retirou mais de R$ 40 bilhões de circulação,
enxugando esse volume de moeda dos bancos e entregando-lhes títulos da
dívida pública, pelos quais se pagam as mais altas taxas de juros do
mundo! Esse tipo de operação é chamado de “compromissada ” ou “de
mercado aberto”, e atinge volume escandaloso de aproximadamente R$ 1
trilhão! E mais: os juros dessas operações são pagos em dinheiro vivo,
obtido por meio do rigoroso ajuste fiscal que vem exigindo aumento de
tributos sobre a classe trabalhadora e os mais pobres, além de cortes de
investimentos essenciais em todas as áreas orçamentárias – exceto a
financeira, que abastece os bancos nacionais e estrangeiros.
O resultado dessa operação é extremamente danoso ao país, pois
provoca aumento da dívida pública sem contrapartida alguma, gerando
obrigação de pagar elevados juros além de esterilizar recursos no Banco
Central e amarrar o país. A título de exemplo, esses R$ 40 bilhões
enxugados pelo Banco Central recentemente poderiam estar sendo
empregados para solucionar as crises da saúde, da educação, da
assistência social, das estradas assassinas..., mas foram retidos,
somando-se a quase R$ 1 trilhão estocado e regiamente remunerado!
Mas o dano de tal operação não para por aí. À medida que o Banco
Central retira a moeda dos bancos e lhes entrega títulos da dívida
pública, ele não só esteriliza os recursos que deveriam irrigar a
economia nacional, mas impede que os bancos reduzam as taxas de juros
cobradas da população e de empresas. Imaginem o que significaria para o
país esse volume de quase R$ 1 trilhão no caixa dos bancos.
Evidentemente, eles não deixariam esse dinheiro parado, sem render. O
óbvio seria destinar esses recursos para empréstimos à sociedade,
aumentando a oferta, o que sem sombra de dúvida provocaria uma forte
queda nas taxas de juros. Os bancos entrariam em competição para
oferecer taxas menores a pessoas e empresas, o que levaria a uma redução
ainda maior nas escorchantes taxas cobradas pelo setor financeiro no
Brasil, que chegaram a 415% ao ano em 2015, com anúncio de que vão subir
ainda mais em 2016 ! Mas a atuação do Banco Central impede que os
bancos fiquem pressionados pela sobra de caixa e tenham de baixar os
juros. Ao contrário: garante-lhes generosa e segura remuneração,
trocando a sobra de caixa por títulos da dívida pública, sem risco
algum.
A justificativa que tem sido dada para essa atuação é o “combate à
inflação”, o que não se aplica, pois o tipo de inflação que temos no
Brasil decorre do abusivo aumento de preços administrados e alimentos:
temos a energia mais cara do mundo, a telefonia mais cara do mundo e a
gasolina mais cara do mundo; tarifas de transporte público e bancárias
exorbitantes, e o preço de alguns alimentos tem impactado na inflação
devido à sazonalidade e aos históricos equívocos da política agrícola
nacional, que privilegia investimento no agronegócio voltado à
exportação de commodities e não à produção de alimentos. Em nenhum
desses casos o aumento de juros ou a redução da base monetária exerce
qualquer influência.
A política
adotada pelo Banco Central, com a desculpa de controlar a inflação, tem
se mostrado fracassada e lesiva ao país e à sociedade
As operações “compromissadas” ou “de mercado aberto” têm efeito
contrário ao indicado por Piketty. Cabe ressaltar que nos países onde
bancos centrais agiram em favor das finanças nacionais, irrigaram as
economias com moeda e estabilizaram as taxas de juros, emprestando a
seus respectivos governos a taxas baixas (2% ao ano ou até menos), a
crise tem sido controlada. É o caso dos Estados Unidos, do Reino Unido e
do Japão, onde a base monetária – que corresponde ao volume de moeda em
circulação no país – alcança 40%! No Brasil, além de manter a base
monetária ridiculamente baixa (em torno de apenas 5% do PIB), o Banco
Central incentiva a prática das taxas de juros mais elevadas do planeta
Terra – a taxa básica está atualmente em 14,25%, mas o Banco Central tem
leiloado títulos a taxas bem superiores, que ultrapassam 16% – e
anuncia que deverá subir ainda mais em 2016.
Vivemos uma verdadeira ciranda financeira no Brasil. Em um dos países
mais ricos do mundo faltam recursos para áreas essenciais, como
educação, saúde, saneamento básico e infraestrutura, mas não faltam
recursos para os abundantes juros que tornam o país o local mais
lucrativo do mundo para os bancos, mas asfixiam a indústria, o comércio
e, logicamente, extinguem empregos e aprofundam injustiças.
Nada de discussão se existem recursos orçamentários para pagar os
elevados juros incidentes sobre os títulos da dívida pública, nem sequer
preocupação acerca de onde virão os recursos. As limitações da Lei de
Responsabilidade Fiscal não se aplicam à “política monetária”. Ou seja,
se os recursos existentes no orçamento federal não são suficientes para
pagar juros, são emitidos novos títulos da dívida e esses são utilizados
para pagar juros. Isso mesmo: estamos emitindo títulos para pagar
grande parte dos juros nominais incidentes sobre a dívida pública, o que
fere o artigo 167 da Constituição Federal, que proíbe a contratação de
dívida para pagar despesas correntes. E juros são despesas correntes,
como salários, despesas de manutenção e demais despesas de custeio que
se consomem durante o ano e não se caracterizam como investimentos. E,
se a política monetária gera prejuízo para o Banco Central, tal prejuízo
é transferido para o Tesouro Nacional e gera a emissão de mais dívida
ainda, como o escandaloso prejuízo de R$ 147,7 bilhões em 2009, por
exemplo.
Além dessa inaceitável aberração, o Banco Central tem acumulado
prejuízos bilionários em questionáveis operações de swap cambial: no
período de setembro de 2014 a setembro de 2015, os resultados negativos
somaram R$ 207 bilhões. Nesse caso do swap cambial, o Banco Central
entende que deve atuar para conter a procura por dólares, alegando que
ela poderia provocar inflação. Assim, oferece contratos de swap cambial
que, na prática, correspondem à garantia da variação da cotação do
dólar. A perda bilionária tem sido transferida para a conta dos juros da
dívida e, consequentemente, para o seu estoque, já que os juros têm
sido pagos mediante a emissão de nova dívida. Os bancos privados lucram e
o país registra a dívida, apesar de não ter recebido nem um centavo
sequer.
Não há a menor transparência acerca de quem são os beneficiários
dessas operações de swap cambial ou as de mercado aberto. Operações
feitas por instituição pública, com dinheiro público, produzindo
centenas de bilhões de prejuízos que são arcados pelo público, mas os
beneficiários e as condições contratadas são “sigilosas”...
É evidente que a política monetária adotada pelo Banco Central, com a
desculpa de controlar a inflação, tem se mostrado completamente
fracassada e lesiva ao país e à sociedade, pois a prática de juros altos
não tem controlado a inflação, que já atinge dois dígitos, mas tem
provocado dano irreparável às finanças públicas, à indústria nacional,
ao comércio e às pessoas que dependem de crédito. Além disso, as
operações de mercado aberto não têm servido para controlar a inflação,
mas têm provocado insana redução da base monetária, garantindo exagerada
remuneração aos bancos, incentivando a elevação das taxas de juro de
mercado com impactos danosos às finanças públicas, à indústria nacional,
ao comércio e às pessoas que dependem de crédito.
As operações de swap cambial também não têm servido para controlar a
elevação do dólar e da inflação, prestando-se a gerar prejuízos de
centenas de bilhões de reais que têm sido transferidos para o conjunto
da sociedade por meio da dívida pública, que em seguida exige rigoroso
ajuste fiscal para o pagamento de seus elevados juros e encargos. E, por
fim, os principais pilares da política monetária – juros elevados e
redução da base monetária – têm provocado aumento acelerado da dívida
pública e exigido elevado volume de recursos para o pagamento de seu
serviço, comprometendo as finanças públicas atuais e as gerações
futuras.
Tudo isso ocorre devido à atuação do Banco Central, a serviço do
setor financeiro nacional e internacional, subserviente à influência dos
bancos e organismos internacionais – FMI e Banco Mundial – que querem
ainda mais: exigem mandato para diretores do Banco Central, como uma
política monetária objetiva, independente do governo. Querem tornar
eterna, imutável e definitiva essa política monetária que “suicida” o
Brasil e transfere vultosos recursos para o setor financeiro privado,
garantindo-lhes lucros escorchantes e crescentes, saindo de quase R$ 10
bilhões em 2000 para cerca de R$ 80 bilhões em 2014 – e em 2015, apesar
da crise, o lucro dos bancos bateu novos recordes!
Enquanto os bancos lucram assim, todos nós pagamos a estratosférica
conta da elevada carga tributária sem o devido retorno, entregamos
continuamente patrimônio público estratégico, além de conviver com as
inaceitáveis injustiças sociais vigentes em nosso potencialmente rico
país.
Até quando nosso rico país, marcado pela abundância em todos os
aspectos, ficará submetido aos que usufruem e abusam do cenário de
escassez? Até quando o Banco Central ficará à vontade para transferir
centenas de bilhões de prejuízos para todos nós, enquanto garante os
maiores ganhos do mundo para os bancos privados?
Maria Lucia Fattorelli é coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida.
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