sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

O domínio da cultura punitiva
Por Glauco Faria

Esta matéria faz parte da edição 122 da Fórum, compre aqui.
Para o advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, a sociedade não discute as causas do crime e espera sempre a condenação, ignorando a possibilidade de inocência dos réus nos casos midiáticos. “Temos um discurso, que se transformou em uma cultura social, voltado para a repressão, e não para a prevenção. A mídia tem muita culpa nisso, pois não encara o crime como uma tragédia, e sim como um espetáculo”
A repressão maior da polícia não está evitando o crime, assim como as penas mais rigorosas não estão.” Na opinião do advogado criminalista Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, existe hoje uma cultura punitiva na sociedade brasileira que impede que sejam discutidas as causas da criminalidade, focando-se somente na exigência da pena como castigo. “Quando há uma condenação, aplausos para o Judiciário; quando ocorre uma proclamação de inocência, o Judiciário foi leniente, corrompido, não funcionou…”
Mariz atuou recentemente no caso da Ação Penal 470, o mensalão, quando defendeu Ayanna Tenório Tôrres de Jesus, ex-vice-presidente do Banco Rural, absolvida pelo STF. Sobre o julgamento, Mariz critica o televisionamento ao vivo das sessões. “De uma certa maneira, a mídia captura a vaidade das pessoas, tornando-as reféns”, acredita. Na sua opinião, a imprensa e figuras destacadas do meio jurídico também contribuiriam hoje para o recrudescimento do punitivismo no País. “Temos no Brasil, como na maioria dos países do mundo ocidental, a presunção de inocência, e hoje está se criando uma cultura no Judiciário de que a presunção é de culpa. Basta você abrir os jornais e ler qualquer declaração do ministro Joaquim Barbosa para chegar a essa conclusão.”
Mariz de Oliveira, durante sessão do julgamento da Ação Penal 470 (Foto: Nelson Jr / SCO-STF-Banco Imagem)
Presidente da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil por duas vezes e responsável em suas gestões pela criação da Advocacia da Criança e do Conselho da Mulher Advogada, Mariz foi ainda secretário de Justiça do estado de São Paulo, entre janeiro e março de 1990, e secretário de Segurança Pública, entre março de 1990 e março de 1991. Dessa época, lembra das dificuldades encontradas para implantar mudanças na área, em especial em relação à Polícia Militar. “A impressão é de que eles se sentem quase diminuídos com essa questão do policiamento de rua, foram preparados para o combate, são força auxiliar do exército, o que é um erro.”
Fórum – Em um artigo seu no jornal Folha de S.Paulo, o senhor comentou a respeito de uma “cultura punitiva” que estaria se disseminando no Brasil, na qual as pessoas veem julgamentos querendo punições, às vezes sem sequer discutir se existe culpa ou não. Podemos localizar a origem desse tipo de cultura?
Antônio Cláudio Mariz de Oliveira – Acho que, basicamente, isso teve início com o crescimento da violência, a violência urbana, do campo e, mais recentemente, o desvendar da corrupção existente no País. E isso se deve muito à imprensa, que levantou o tapete e pôs à luz do dia uma conduta da classe política, e das elites em geral, reprovável. A partir daí, a sociedade passou a desesperadamente querer uma proteção e a clamar por policiamento nas ruas, armamentos mais aprimorados, leis e penas mais rigorosas, isso tudo em uma visão do fenômeno criminal após a sua ocorrência. Depois que ocorreu, punição; antes, pouca ou nenhuma discussão sobre as causas do crime.
Com isso, temos um discurso, que se transformou em uma cultura social, voltado para a repressão, e não para a prevenção. A mídia tem muita culpa nisso, pois não encara o crime como uma tragédia, e sim como um espetáculo. Um espetáculo digno de todos os mecanismos que pode oferecer, televisionamento das operações – se possível do corpo da vítima –, dos julgamentos, e isso passou a ser um verdadeiro show, um instrumento de faturamento e de Ibope. Tivesse a mídia encarado o crime de uma forma correta, poderia ter até extraído lições, discuti-lo. Por que pai mata filho nos dias de hoje, por que filho mata pai? Por que essa corrupção terrível, quais são as causas? O Estado tem ou não mecanismos de proteção, a família está se desagregando ou não? Os menores abandonados, não precisamos cuidar deles, quando não até por um egoísmo, para que não se tornem bandidos no futuro e nos ataquem? Coisas desse tipo ficaram completamente esquecidas. Só se fala em cadeia, algemas, se possível pena de morte etc.
Então, a razão primeira é o crescimento da criminalidade, e depois uma disseminação de uma cultura de que aquilo que ocorreu, ocorreu. Para a mídia, valem o faturamento e o Ibope; e a sociedade – e aí a coisa é mais complexa –, se satisfaz com o castigo, como se fosse uma vingança, um ato de expiação de suas próprias mazelas. E com isso você cria alguns problemas. O primeiro deles é que há sempre uma expectativa pela condenação, nunca pela inocência. Quando há uma condenação, aplausos para o Judiciário; quando ocorre uma proclamação de inocência, o Judiciário foi leniente, corrompido, não funcionou…
Essa é a cultura predominante. Você vê coisas incríveis, alguém é condenado porque matou o outro, portanto, duas tragédias, para o que morre e para o que fica. Se não é culpado, é vítima de uma tragédia também, vai para a cadeia, acaba com a sua vida, com a da família… E se solta rojão na porta do fórum. Tem torcida organizada. Isso é uma coisa muito preocupante, o confronto entre a punição e a liberdade é muito duro. As pessoas se esquecem, e isso é uma outra questão da sociedade punitiva, que qualquer um de nós pode sentar no banco dos réus. O crime não é um ente “para eles”, é nosso. Somos, inclusive, geradores de fatores criminógenos – o menor abandonado, por exemplo. As pessoas precisam entender que, quando se clama pela observância dos direitos individuais, está se clamando pelos direitos de todos, amanhã poderá ser o seu ou o meu. E que não é só o culpado que vai para o banco dos réus. O inocente também vai, e é preciso ter uma expectativa também de inocência, até porque amanhã pode ser você no banco dos réus.
Outro ponto é que a punição não está evitando o crime. A repressão maior da polícia não está evitando o crime, assim como as penas mais rigorosas não estão. O que estamos fazendo, desde que me conheço por gente, é enxugar gelo. Ou discutimos as causas do crime e criamos mecanismos para a sua prevenção ou vamos continuar nessa toada. Mais um agravante é que o crime ocorre sem motivo. Hoje temos o crime de bagatela, não no sentido de valor pequeno, mas no da falta de motivo. É um fenômeno patológico, estamos encarando a vida como algo absolutamente fluido, e não discutimos isso. Um exemplo: por que uma pessoa bate o carro e mata o outro? Não estamos debatendo, depois que ela matou pedimos cadeia, mas não discutimos o porquê. E a mídia perde uma grande oportunidade que tem, já que ela chega aonde a escola não chega.
Fórum – Hoje a pena no Brasil só serve como castigo? Qual deveria ser a função da pena?
Mariz – Boa pergunta. Hoje a pena de prisão só serve para isso, o sistema penitenciário é fator criminógeno. Se eu entro na cadeia, vou sair bandido. Ou vou morrer lá dentro. A pena de prisão é fator desagregador, não cumpre seu papel de ressocialização, de possibilitar um exame de consciência. Há exceções, mas basta dizer que no sistema penitenciário, em geral, não se trabalha, não se estuda.
Agora, a pena alternativa, a pena de prestação de serviços, tem um papel importante. Dou um testemunho do meu escritório, pessoas que vão prestar serviços sociais em hospitais, favelas, cumprem esse papel e saem com a autoestima engrandecida, porque o sujeito se vê útil. Ele vai trabalhar aos sábados, com crianças que têm câncer, e o sujeito se apaixona, se sente útil. Esse é o sentido da pena, colocar a pessoa em contato com uma realidade que ela não conhece, um outro mundo, do Brasil cru, pesado, difícil, para o qual a elite dá as costas. A pena alternativa é muito importante. Cadeia é um mal necessário para casos excepcionais.
Fórum – Quais seriam esses casos excepcionais?
Mariz – O sujeito que em liberdade está representando um efetivo risco, um estuprador reincidente, um assaltante que reincidiu, um homicida pago. Fora isso, cadeia não tem nenhum sentido. O Brasil é o quarto país no mundo em população carcerária e vamos nos tornar uma sociedade repressiva na qual o relacionamento interpessoal vai cada vez mais se deteriorar. Até porque a cultura da delação também está aí, algo perigoso, inclusive no campo fiscal estão usando isso. Agora, na Lei de Lavagem de Dinheiro, se você é um prestador de serviço e desconfia da origem do meu dinheiro, tem a obrigação de comunicar ao Coaf [Conselho de Controle de Atividades Financeiras] e falar que recebeu um dinheiro meu, mas não está entendendo direito… O homem vai ser o lobo do outro homem, a teoria do [Thomas] Hobbes. A sociedade policiando a própria sociedade.
Fórum – Hoje temos um projeto do deputado Osmar Terra (PMDB-RS) que prevê um endurecimento da política de combate às drogas no Brasil. Como o senhor avalia esse projeto especificamente e também algo que se vê muito no Brasil, que é a resposta proibitiva ou punitiva por parte do poder público sempre que há um caso midiático?
Mariz – Acho que lei não muda conduta. Lei proíbe conduta, aquela que efetivamente atinge a sociedade, e por isso se tem de interferir; primeiro, a lei civil; depois, a administrativa e, por fim, a lei penal, que apresenta uma sanção mais grave. Conduta se muda com educação.
A descriminalização como um todo tem de ser estudada, debatida, o que não se pode é continuar nessa guerra contra as drogas. É uma guerra burra, estamos dando tiro no pé e, de novo, só enxugando gelo. Serve para alimentar interesses financeiros muito elevados, para alimentar a corrupção policial – difícil não ter nas grandes quadrilhas um policial ajudando –, e serve para a indústria bélica. Quem combate nessa guerra parece que não quer que ela termine. É uma guerra permanente. Se não enfrentarmos esse tema com coragem, vamos continuar sem solução.
Fórum – Em relação a julgamentos que têm tribunal de júri, como é para o advogado lidar com um caso de repercussão midiática, com pessoas que já chegam com opiniões formadas pela própria mídia?
Mariz – Essa questão da influência da mídia se dá no tribunal do júri e fora dele também, ela tenta pautar a distribuição da justiça. Você, ao advogar na justiça criminal, tem de ter preocupações múltiplas, com o delegado, com o promotor e com a mídia. Hoje, há informações prestadas à mídia antes que o advogado tenha ciência delas. Há casos em que recebo informações de jornalistas sobre meus casos e de que não estou sabendo. Acontece muito. Por quê? Porque o Ministério Público, a polícia, às vezes até o magistrado divulgou. A imprensa se tornou um instrumento de divulgação do anseio por condenação, de provas, e a grande dificuldade é que ela não oferece o contraditório. Mesmo que se ouça a parte contrária, o que foi pregado e posto em relação à responsabilidade penal fica. Inclusive porque a sociedade é muito aberta à culpa, e não à inocência. Então, não tenha dúvida de que muitos julgamentos, se não de forma absoluta, foram influenciados pelo menos em parte pela mídia.
Temos no Brasil, como na maioria dos países do mundo ocidental, a presunção de inocência, e hoje está se criando uma cultura no Judiciário de que a presunção é de culpa. Basta você abrir os jornais e ler qualquer declaração do ministro Joaquim Barbosa para chegar a essa conclusão. A culpa é uma presunção, a defesa que prove a inocência.
Fórum – Falando no ministro Joaquim Barbosa, quando ele dá uma entrevista a correspondentes estrangeiros dizendo que a legislação penal é frouxa, isso reforça essa cultura punitiva?
Mariz – Reforça. Ele é um símbolo dessa luta quixotesca, dessa verdadeira cruzada. O interessante é que ninguém pensa nas consequências. Será que a prisão do José Dirceu vai melhorar as coisas? O sujeito só se satisfaz com a prisão. Primeiro tem a condenação, mas ainda é necessária a prisão. E, se prender, não pode ser em bom lugar, depois vão falar que ele tem televisão na cela, que precisa ficar no porão… Não se pensa na pena no que tange à sua utilidade, seus objetivos; quanto pior o cumprimento da pena, melhor.
Fórum – Alguns casos “escandalizam” as pessoas e a mídia em geral, em geral quando alguém vai responder um processo em liberdade. Até em países repressores como os Estados Unidos, em muitos estados a pessoa paga a fiança e responde sem ser presa…
Mariz – Com o agravante de que é o direito penal do capitalismo, porque o rico paga, mas o pobre fica. E não precisa ter nenhum forte indício de que ele é realmente culpado ou se vai ser acusado, basta uma suspeita de um caso de repercussão, que a mídia enfoque o problema, mostre a pessoa que nem é acusada ainda porque não houve denúncia, para se ter o pedido de prisão.
Fórum – O senhor advogou no caso do “mensalão”. Como o senhor viu a transmissão ao vivo de um julgamento na esfera penal?
Mariz – Sou absolutamente contra. Posso falar porque minha cliente foi absolvida e o que falar de crítica não é porque eu não tenha tido êxito. Acho que essa questão da mídia mexeu com todos, com os ministros e com os advogados. De uma certa maneira a mídia captura a vaidade das pessoas, tornando-as reféns. Percebia-se nitidamente a preocupação de alguns ministros em se ajeitar na hora de proferirem seus votos, advogados desfilando para serem fotografados. E, mais do que isso, no momento das entrevistas, você esquece um pouco do seu papel. “Você” que eu digo é todos nós, passa a falar o que acha que a mídia quer divulgar, o que a sociedade quer ouvir. O promotor fazendo promessas e criando expectativas, às quais nem sempre o Judiciário corresponde e é criticado por isso. O advogado às vezes revelando o sigilo profissional do cliente, o que não pode, revelando dados do caso que foram transmitidos a ele sob o manto do sigilo, falando para a mídia. O caso da Escola Base, por exemplo, começou com um delegado que não conseguiu se controlar.
Fórum – E recentemente, no caso Mizael, também houve a transmissão ao vivo do julgamento…
Mariz – Sim, a semelhança é que os julgamentos foram transformados em espetáculos. O do mensalão, por várias razões. Primeiro, porque envolvia pessoas proeminentes, do mundo financeiro e do mundo político. Segundo, porque esse julgamento serviu meio como teste para se saber da imparcialidade ou não do Supremo na medida em que vários ministros foram nomeados pelo governo anterior. Em terceiro lugar, havia uma questão muito ligada à política, esse quadro criou uma expectativa muito grande. Daí veio o televisionamento e com ele as pessoas passaram a se preocupar muito com a aparência física, o falar, a dicção, o linguajar. Ministros muito comedidos passaram a usar expressões impróprias para uma sessão de julgamento. Em uma sessão do julgamento houve um ministro que comparou o José Dirceu e outros aos chefes do PCC em São Paulo, coisas inadequadas, desnecessárias. Você pode condenar, mas não precisa adjetivar.
Fórum – … o ministro Celso de Mello?
Mariz – O Celso de Mello, o que causou uma grande surpresa porque é comedido. Um outro ministro demorou uma hora para ler seu voto, desnecessário, porque já estava 7 ou 8 a zero. Um deles olhando pra câmera sempre. Os advogados, por sua vez, falando coisas indevidas…
Acho que a influência no resultado do julgamento foi maior no caso do mensalão do que em júris, porque os jurados não votam oralmente, não estão declinando a sua posição, a votação é secreta. A influência teoricamente é menor, eles não estão preocupados com a mídia. Mas, no resto, a influência é a mesma. Parto do princípio de que crime é tragédia e merece respeito pela miséria da condição humana que ele representa. Senão, os princípios são relativizados, a dignidade do sujeito é posta de lado para agradar. O povo tem sentimento de justiça, mas não conhece o julgamento e os procedimentos. A imagem não passa pela razão, e quando você mostra o acusado, o crime, o sujeito capta aquilo e vai direto para os sentimentos. Ou ele tem pena ou, na maioria das vezes, tem raiva, ódio. Não estuda as circunstâncias, não analisa as provas, até porque isso nem é mostrado a ele.
Fórum – Quando existe a denúncia feita pelo Ministério Público, muitas vezes o acusado é apresentado pela mídia como se já fosse culpado, como se tivesse sido julgado.
Mariz – Muitas vezes, o cliente vem aqui no escritório e fala: “Mas, doutor, eu vou ser indiciado”, e indiciamento não é nada, é uma anotação policial no sentido de que alguém está sendo considerado suspeito. Dura é a denúncia, porque ali ele está sendo acusado da prática do crime. Criou-se essa mística até mesmo em torno do indiciamento.
Fórum – O senhor foi secretário de Justiça e também de Segurança Pública e, à época, tinha tomado medidas como a proibição de que policiais usassem armas para atirar pelas costas em perseguições e a criação de cursos de reciclagem de policiais. Como foi lidar com uma estrutura policial, rígida e resistente a mudanças?
Mariz – Deu muito problema, não com a Polícia Civil, mas com a Polícia Militar, por sua própria formação. A impressão é de que eles se sentem quase diminuídos com essa questão do policiamento de rua. Foram preparados para o combate, são força auxiliar do exército, o que é um erro. A Constituição de 1988 infelizmente manteve essa forma, eles têm de combater o crime, prevenindo ou reprimindo, mas não são combatentes no sentido do confronto, têm de garantir a segurança. Por outro lado, são muito avessos a interferências, são quase um Estado dentro do Estado. São muito corretos, prestativos, mas impõem limites. E quebrar esses limites é algo muito difícil.
Implantei também uma vigilância comunitária escolar em que a PM treinava, instruía a população para vigiar a escola, não no sentido policialesco, mas de manutenção de normas etc., para suprir um pouco as deficiências do patrulhamento escolar. Mas tudo demora lá. A polícia da periferia, eles chegaram a pintar alguns carros, para uma polícia específica da periferia. Poderia ter chegado a algo como o que acontece hoje no Rio de Janeiro. Eu não pensei isso na época, mas se houvesse um patrulhamento com os mesmos policiais, se envolvendo com a comunidade, acho que poderia ter chegado a algo semelhante.
Mas saí da Secretaria e acabou tudo. Como a questão do acompanhamento psicológico, eles [policiais] teriam de ter um acompanhamento permanente. Já o procedimento de atirar pelas costas foram dois fatos: houve ali um caso com um casal oriental, que estava em uma Kombi e não viu um bloqueio policial em Parelheiros por conta de uma neblina. E no Itaim um motoqueiro havia sido morto da mesma forma. Então, proibi que atirassem pelas costas, deixassem fugir.
Fórum – O que deveria ser mais importante hoje para o Ministério da Justiça e para o próprio Parlamento: construir mais presídios, como já se anunciou recentemente, ou despenalizar?
Mariz – Não tenho nenhuma dúvida que o Estado precisa investir na liberdade, e ele investe na prisão. E só na prisão, porque na complementação do sistema ele não investe, como na educação. Precisa-se parar de investir em cadeia, estimular o Judiciário a ser mais flexível na aplicação das penas, evitar a prisão preventiva. Hoje são quase 40% os presos que ainda não tiveram julgamento. Muitos serão absolvidos. E como se repara isso? Ficou sedimentado que a única resposta que se tem para o crime é cadeia, e isso precisa mudar.
É preciso fazer um trabalho, principalmente junto ao Judiciário, para mostrar que a cadeia só serve para aqueles irrecuperáveis e os que representam efetivo perigo à sociedade. E tem que se investir na liberdade, preparar os presos para a liberdade. Esse orgulho que alguns governantes demonstram, ao construir penitenciárias, é injustificável e vai reverter contra a própria sociedade. O [Orestes] Quércia, de quem eu fui secretário, se ufanava de ter construído 11 penitenciárias, e não vejo nenhum orgulho nisso. Isso mostra que não está se combatendo o crime adequadamente.  Mas a sociedade aplaude mais quando você constrói cadeia do que quando se constrói hospital e escola.
Fonte: Portal Revista Forum

domingo, 22 de dezembro de 2013


Escola deve indenizar criança vítima de mordidas


O Centro de Educação Infantil Mérito, localizado em Contagem, foi condenado a indenizar o menino A.L.C.S., representado por sua mãe, em R$ 18 mil por danos morais. A criança foi mordida por um colega, quando frequentava a escola. A decisão é da juíza substituta Marcela Oliveira Decat de Moura, em processo que tramita na comarca de Contagem. Na sentença, a magistrada destacou ser inequívoca a ocorrência do dano moral, em virtude da grave ofensa física causada ao pequeno A., que, à época dos fatos, tinha menos de 2 anos de vida e foi vítima de, nada mais nada menos, 42 mordidas dentro da sua Escola.
De acordo com os autos, em março de 2008, C.C.S. matriculou seu filho na referida escola. Em 11 de junho do mesmo ano, o avô do menino notou que havia uma mordida no corpo da criança. A mãe afirmou que não foi informada desse fato e que, no dia seguinte, a avó materna alertou a professora sobre o ocorrido. Em 13 de junho, a mãe recebeu um telefonema da escola, e soube que havia acontecido um probleminha. Ao chegar à escola, deparou-se com o filho em prantos no colo da professora, completamente desfigurado e com o rosto muito inchado e vermelho. Contou que havia mordidas nas costas, na barriga, nos braços e no rosto da criança.
A mãe ajuizou ação contra a escola, que se defendeu alegando que prestou toda a assistência necessária à criança e aos seus familiares. Alegou ainda que é comum crianças nessa idade morderem umas às outras e que, no dia dos fatos, A. dormia em uma sala com o aluno que o mordeu. Afirmou que eles dormiam em camas distintas, e de tempos em tempos a professora conferia o sono das crianças. Acrescentou que, durante a última verificação, a professora constatou que o colega de A. estava de pé ao lado dele, aplicando-lhe as últimas mordidas. Informou que A. estava deitado de bruços e apenas choramingava, de modo que não poderia ser ouvido.
A escola defendeu-se ainda dizendo que a mãe deu caráter sensacionalista ao episódio, que os seus prepostos não agiram com culpa e que os fatos não configuram danos morais.
Negligência
Na sentença, a magistrada destacou que não se pode admitir que crianças tão pequenas sejam colocadas para dormir sozinhas em uma sala da escola, sem qualquer vigilância direta, sujeita a riscos de toda espécie. A fotografia anexada aos autos, destacou, demonstra que as caminhas são baixas e que as crianças podem, perfeitamente, descer sozinhas e se deslocar para outros locais.
A juíza considerou também o exame de corpo de delito, segundo o qual A. foi vítima de lesões múltiplas no corpo, provocadas por mordidas dadas pela mesma criança. Ressaltou que a responsabilidade pelo ocorrido foi única e exclusiva da escola, que permitiu de forma negligente e irresponsável que duas crianças, de tenra idade, permanecessem dormindo sozinhas numa sala, mesmo ciente do episódio recente de mordida envolvendo as mesmas crianças.
Diante dos fatos, continuou a magistrada, não há dúvida de que houve grave falha na prestação do serviço educacional prestado. Dessa forma, presentes os requisitos necessários à configuração da responsabilidade civil, quais sejam, falha na prestação do serviço, danos morais e nexo de causalidade entre um e outro, dúvida não há acerca do dever da parte ré [escola] de indenizar, concluiu.
O valor da indenização deverá ser mantido em depósito judicial de caderneta de poupança em nome da criança, até que complete a maioridade civil.
Napi
A decisão foi dada pela juíza Marcela Oliveira Decat de Moura, por meio do Núcleo de Apoio à Prestação Jurisdicional do Interior (Napi). Instituído em outubro deste ano, o núcleo atua, no momento, junto à 1ª e à 4ª Varas Cíveis de Contagem comarca escolhida como piloto. É um órgão de apoio às atividades judiciais, vinculado, administrativamente, à Presidência do Tribunal de Justiça e, funcionalmente, à Corregedoria-Geral de Justiça. Sua missão é atuar nas varas do interior do Estado que apresentem acúmulo de processos cíveis, exceto os de execução fiscal, especialmente relacionados à Meta 2 (2010), que prioriza o julgamento dos processos mais antigos, distribuídos até 31 de dezembro de 2006. Dos 900 processos selecionados na comarca de Contagem, 686 foram sentenciados e 51 receberam despachos pela equipe do Napi.
Acompanhe a movimentação processual e veja a íntegra da decisão.
FONTE:  JusBrasil

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Além de enfrentar o Apartheid da “famiglia” Sarney, Maranhão tem o pior acesso à Justiça no País

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Fim do mundo – Não bastasse o fato de ter implantado no Maranhão um Apartheid, que transformou o estado na mais miserável unidade da federação, a “famiglia” Sarney conseguiu a proeza de disponibilizar aos maranhenses o pior acesso à Justiça no País, de acordo com levantamento nacional realizado pelo Ministério da Justiça em parceria com instituições públicas, universidades e entidades.

O Índice Nacional de Acesso à Justiça (Inaj), disponível no Atlas do Acesso à Justiça, resulta de um banco de dados do governo federal que reúne informações sobre o número de profissionais e de unidades da Justiça (Defensoria Pública, Ministério Público, Procons e instâncias do Judiciário) para mensurar o grau de dificuldade com que se depara a população ao tentar usar os serviços públicos judiciais. Fora isso, o Atlas do Acesso à Justiça disponibiliza informações sobre os chamados serviços extrajudiciais – cartórios, delegacias e Procons – com base em dados sobre o total da população e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de cada estado.
No quesito que tem como base equipamentos judiciais e extrajudiciais, o Maranhão tem o pior índice entre as 27 unidades da federação – 26 estados e o Distrito Federal. O Maranhão alcançou o irrisório índice de 0,06, ao passo que a média nacional é de 0,16. Na sequência aparecem, de baixo para cima, os estados do Pará (0,07) e do Amazonas (0,08).
O melhor índice de acesso à Justiça está no Distrito Federal, com 0,41. A capital dos brasileiros é seguida na dianteira do ranking por Rio de Janeiro (0,31) e São Paulo (0,25). Doze estados têm indicadores superiores à média nacional, que, como mencionamos, é de 0,16.
No Maranhão o problema torna-se ainda maior porque, além da dificuldade de acesso aos serviços públicos judiciais, a Justiça é praticamente controlada pelo grupo do caudilho José Sarney, que há cinco décadas está no comando político do estado. A influência da “famiglia” Sarney nas entranhas da Justiça é tão escandalosa, que a governadora conseguiu tomar o mandato de Jackson Lago (PDT) alegando transgressões político-eleitorais que ela própria comete à luz do dia e sem qualquer rubor facial.
Enfrentar o clã liderado por José Sarney na Justiça exige não apenas coragem, mas doses extras de sorte, pois o grupo do tiranete que recheia as páginas do livro “Honoráveis Bandidos” exerce enorme influencia em todos os escaninhos do Maranhão. Situação de fazer inveja a Al Capone e seu grupo de nada bondosos parceiros.
FONTE: BLOG DO GILBERTO LIMA

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Problemas das zonas urbanas vão ficar ainda mais críticos em 2020

Até 2020, 90% dos brasileiros viverão nas cidades, agravando ainda mais os problemas de mobilidade urbana, segurança, fornecimento de energia elétrica, água potável, esgotamento sanitário e moradia. A informação foi prestada, na tarde desta terça-feira (10/12), pela secretária de Articulação Institucional e Cidadania Ambiental do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Mariana Meirelles, durante o Seminário sobre Construção Sustentável, realizado pela Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara dos Deputados.
O setor da construção civil, segundo Mariana Meirelles, emprega, hoje, 3,3 milhões de trabalhadores formais e movimenta cerca de 6% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. “Mas, por outro lado, responde por 50% a 70% dos resíduos gerados pelas obras, consome de 15% a 50% de recursos naturais e 54% de energia elétrica somente na fase de produção”, alertou.
PREOCUPAÇÃO
Na exposição, a secretária disse que a preocupação do MMA é desenvolver uma cultura em que a sustentabilidade seja considerada essencial, tendo por base a segurança no trabalho, a ecoeficiência hídrica e energética, a geração de resíduos sólidos e a adoção de compras sustentáveis associadas aos grandes investimentos do setor da construção civil. “O melhor, hoje, é a incorporação dos critérios de sustentabilidade, que orientam, principalmente, o programa habitacional do governo federal, o Minha casa, minha vida”, ilustrou.
Para o secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano (SRHU) do MMA, Ney Maranhão, no que se refere a resíduos sólidos na construção civil, a competência é garantir a sustentabilidade dos recursos naturais e sua regeneração. Maranhão acredita que o crescimento desordenado das cidades dificulta o acesso das pessoas a melhores condições de vida, pois o adensamento populacional em áreas frágeis faz aumentar as ondas de calor, reduz a qualidade do ar, da água, e gera impactos ao meio ambiente, sociais, econômicos, e culturais negativos. “Afeta, inclusive, a segurança pública, a cidadania e a prevenção a catástrofes naturais”, insistiu.
O problema é tão sério, disse a representante do Ministério das Cidades, Carolina Baima, que, hoje, 28% da população do País vivem em favelas em total precariedade. Segundo ela, o Brasil é o segundo maior poluidor da América Latina. Na sua opinião, uma das soluções para o problema da construção civil passa pela busca da sustentabilidade, restaurando e mantendo a harmonia entre os ambientes, considerando as questões ambientais, econômicas, sociais e culturais para garantir qualidade de vida às pessoas nas cidades.

FONTE: JusBrasil/Publicado por Carolina Salles 
Foto: Paulo de Araújo/MMA

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

O LIVRO-BOMBA – Tuma Jr. revela os detalhes do estado policial petista. Partido usa o governo para divulgar dossiês apócrifos e perseguir adversários. Caso dos trens em SP estava na lista. Ele tem documentos e quer falar no Congresso. Mais: diz que Lula foi informante da ditadura, e o contato era seu pai, então chefe do Dops.
Romeu Tuma Júnior conta como funciona o estado policial petista
Romeu Tuma Junior conta como funciona o estado policial petista

O “estado policial petista” não é uma invenção de paranoicos, de antipetistas militantes, de reacionários que babam na gravata dos privilégios e que atuam contra os interesses do povo. Não! O “estado policial petista” reúne as características de todas as máquinas de perseguição e difamação do gênero: o grupo que está no poder se apropria dos aparelhos institucionais de investigação de crimes e de repressão ao malfeito — que, nas democracias, estão submetidos aos limites da lei — e os coloca a seu próprio serviço. A estrutura estatal passa a servir, então, à perseguição dos adversários. Querem um exemplo? Vejam o que se passa com a apuração da eventual formação de cartel na compra de trens para a CPTM e o metrô em São Paulo. A questão não só pode como deve ser investigada, mas não do modo como estão agindo o Cade e a PF, sob o comando de José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça. As sentenças condenatórias estão sendo expedidas por intermédio de vazamentos para a imprensa. Pior: as mesmas empresas investigadas em São Paulo se ocuparam das mesmas práticas na relação com o governo federal. Nesse caso, não há investigação nenhuma. Escrevi a respeito nesta sexta.

Quando se anuncia que o PT criou um estado policial, convenham, não se está a dizer nenhuma novidade. Nunca, no entanto, alguém que conhece por dentro a máquina do governo havia tido a coragem de vir a público para relatar em detalhes como funciona o esquema. Romeu Tuma Junior, filho de Romeu Tuma e secretário nacional de Justiça do governo Lula entre 2007 e 2010, rompe o silêncio e conta tudo no livro “Assassinato de Reputações – Um Crime de Estado”, publicado pela Editora Topbooks (557 págs., R$ 69.90). O trabalho resulta de um depoimento prestado ao longo de dois anos ao jornalista Cláudio Tognolli. O que vai ali é de assustar. Segundo Tuma Junior, a máquina petista:
1: produz e manda investigar dossiês apócrifos contra adversários políticos;
2: procura proteger os aliados.

O livro tem um teor explosivo sobre o presente e o passado recente do Brasil, mas também sobre uma história um pouco mais antiga. O delegado assegura que o sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva — que nunca negou ter uma relação de amizade com Romeu Tuma — foi informante da ditadura. A VEJA desta semana traz uma reportagem sobre o livro e uma entrevista com o ex-secretário nacional da Justiça. Ele estava lá. Ele viu. Ele tem documentos e diz que está disposto a falar a respeito no Congresso. O delegado é explícito: Tarso Genro, então ministro da Justiça, o pressionou a divulgar dados de dossiês apócrifos contra tucanos. Mais: diz que a pressão vinha de todo lado, também da Casa Civil. A titular da pasta era a agora presidente da República, Dilma Rousseff.

Segue um trecho da reportagem de Robson Bonin na VEJA desta semana. Volto depois.
(…)
Durante três anos, o delegado de polícia Romeu Tuma Junior conviveu diariamente com as pressões de comandar essa estrutura, cuja mais delicada tarefa era coordenar as equipes para rastrear e recuperar no exterior dinheiro desviado por políticos e empresários corruptos. Pela natureza de suas atividades, Tuma ouviu confidências e teve contato com alguns dos segredos mais bem guardados do país, mas também experimentou um outro lado do poder — um lado sem escrúpulos, sem lei, no qual o governo é usado para proteger os amigos e triturar aqueles que sio considerados inimigos.
(…)
Segundo o ex-secretário, a máquina de moer reputações seguia um padrão. O Ministério da Justiça recebia um documento apócrifo, um dossiê ou um informe qualquer sobre a existência de conta secreta no exterior em nome do inimigo a ser destruído. A ordem era abrir imediatamente uma investigação oficial. Depois, alguém dava urna dica sobre o caso a um jornalista. A divulgação se encarregava de cumprir o resto da missão. Instado a se explicar, o ministério confirmava que, de fato, a investigação existia, mas dizia que ela era sigilosa e ele não poderia fornecer os detalhes. O investigado”, é claro, negava tudo. Em situações assim, culpados e inocentes sempre agem da mesma forma. 0 estrago, porém, já estará feito.

No livro, o autor apresenta documentos inéditos de alguns casos emblemáticos desse modus operandi que ele reuniu para comprovar a existência de uma “fábrica de dossiês” no coração do Ministério da Justiça. Uma das primeiras vítimas dessa engrenagem foi o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB). Senador época dos fatos, Perillo entrou na mira do petismo quando revelou a imprensa que tinha avisado Lula da existência do mensalão. 0 autor conta que em 2010 o então ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, entregou em suas mãos um dossiê apócrifo sobre contas no exterior do tucano. As ordens eram expressas: Tuma deveria abrir urna investigação formal. 0 trabalho contra Perillo, revela o autor, havia sido encomendado por Gilberto Carvalho, então chefe de gabinete do presidente Lula. Contrariado, Tuma Junior refutou a “missão” e ainda denunciou o caso ao Senado. Esse ato, diz o livro, foi o primeiro passo do autor para o cadafalso no governo, mas não impediu novas investidas.

(…)
Celso Daniel, trens, mensalão…
Vejam o que vai acima em destaque. Qualquer semelhança com os casos Alstom e Siemens, em São Paulo, não é mera coincidência. O livro traz revelações perturbadoras sobre:
a: o caso do cartel de trens em São Paulo:
b: o dossiê para incriminar Perillo;
c: o dossiê para incriminar Tasso Jereissati (com pressão de Aloizio Mercadante);
d: a armação para manchar a reputação de Ruth Cardozo;
e: o assassinato do petista Celso Daniel, prefeito de Santo André;
f: o grampo no STF (todos os ministros foram grampeados, diz Tuma Junior);
g: a conta do mensalão nas Ilhas Cayman…
Tuma - grampo Gilmar
E muito mais. Tuma Júnior está com documentos. Tuma Junior quer falar no Congresso. Tuma Junior tem de ser ouvido. Abaixo, seguem trechos de sua entrevista à VEJA.

(…)
Por que Assassinato de Reputações?
Durante todo o tempo em que estive na Secretaria Nacional de Justiça, recebi ordens para produzir e esquentar dossiês contra uma lista inteira de adversários do governo. 0 PT do Lula age assim. Persegue seus inimigos da maneira mais sórdida. Mas sempre me recusei. (…) Havia uma fábrica de dossiês no governo. Sempre refutei essa prática e mandei apurar a origem de todos os dossiês fajutos que chegaram até mim. Por causa disso, virei vítima dessa mesma máquina de difamação. Assassinaram minha reputação. Mas eu sempre digo: não se vira uma página em branco na vida. Meu bem mais valioso é a minha honra.

De onde vinham as ordens para atacar os adversários do PT?
Do Palácio do Planalto, da Casa Civil, do próprio Ministério da Justiça… No livro, conto tudo isso em detalhes, com nomes, datas e documentos. Recebi dossiês de parlamentares, de ministros e assessores petistas que hoje são figuras importantes no atual governo. Conto isso para revelar o motivo de terem me tirado da função, por meio de ataque cerrado a minha reputação, o que foi feito de forma sórdida. Tudo apenas porque não concordei com o modus operandi petista e mandei apurar o que de irregular e ilegal encontrei.

(…)
O Cade era um dos instrumentos da fábrica de dossiês?
Conto isso no livro em detalhes. Desde 2008, o PT queria que eu vazasse os documentos enviados pela Suíça para atingir os tucanos na eleição municipal. O ministro da Justiça, Tarso Genro, me pressionava pessoalmente para deixar isso vazar para a imprensa. Deputados petistas também queriam ver os dados na mídia. Não dei os nomes no livro porque quero ver se eles vão ter coragem de negar.

O senhor é afirmativo quando fala do caso Celso Daniel. Diz que militantes do partido estão envolvidos no crime.
Aquilo foi um crime de encomenda. Não tenho nenhuma dúvida. Os empresários que pagavam propina ao PT em Santo André e não queriam matar, mas assumiram claramente esse risco. Era para ser um sequestro, mas virou homicídio.
(…)

O senhor também diz no livro que descobriu a conta do mensalão no exterior.
Eu descobri a conta do mensalão nas Ilhas Cayman, mas o governo e a Polícia Federal não quiseram investigar. Quando entrei no DRCI, encontrei engavetado um pedido de cooperação internacional do governo brasileiro às Ilhas Cayman para apurar a existência de uma conta do José Dirceu no Caribe. Nesse pedido, o governo solicitava informações sobre a conta não para investigar o mensalão, mas para provar que o Dirceu tinha sido vítima de calúnia, porque a VEJA tinha publicado uma lista do Daniel Dantas com contas dos petistas no exterior. O que o governo não esperava é que Cayman respondesse confirmando a possibilidade de existência da conta. Quer dizer: a autoridade de Cayman fala que está disposta a cooperar e aí o governo brasileiro recua? É um absurdo.

(…)
O senhor afirma no livro que o ex-presidente Lula foi informante da ditadura. É uma acusação muito grave.
Não considero uma acusação. Quero deixar isso bem claro. O que conto no livro é o que vivi no Dops. Eu era investigador subordinado ao meu pai e vivi tudo isso. Eu e o Lula vivemos juntos esse momento. Ninguém me contou. Eu vi o Lula dormir no sofá da sala do meu pai. Presenciei tudo. Conto esses fatos agora até para demonstrar que a confiança que o presidente tinha em mim no governo, quando me nomeou secretário nacional de Justiça, não vinha do nada. Era de muito tempo. 0 Lula era informante do meu pai no Dops (veja o quadro ao lado).
O senhor tem provas disso?
Não excluo a possibilidade de algum relatório do Dops da época registrar informações atribuídas a um certo informante de codinome Barba.
(…)
Tuma imagem mensalão
Encerro
Encerro por ora. É claro que ainda voltarei ao tema. Tuma Junior estava lá dentro. Tuma Junior viu e ouviu. O deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO) quer que o delegado preste depoimento à Câmara sobre o que sabe.
O estado policial petista tem de parar. E parte da imprensa precisa deixar de ser o seu braço operativo.

Por Reinaldo Azevedo
07/12/2013
às 18:30

terça-feira, 3 de dezembro de 2013


Brasil tem o menor resultado do PIB entre as maiores economias do mundo

PIB do País recuou 0,5% no 3º trimestre em relação ao segundo trimestre 


SÃO PAULO - Diferentemente do segundo trimestre, quando a forte expansão do PIB foi destaque em termos de crescimento econômico na comparação com outros países, o Brasil foi um dos poucos países a registrar retração na economia no terceiro trimestre deste ano. O resultado do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil no 3º trimestre foi o menor entre os países levantados na divulgação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No 3º trimestre, a economia brasileira recuou 0,5% em relação ao 2º trimestre.

Além do Brasil, apenas França e Itália, com a mesma queda de 0,1% no PIB do terceiro trimestre ante o segundo, registraram retração.

O destaque de crescimento numa lista preparada pelo IBGE foi a Coreia do Sul, com expansão de 1,1% no terceiro trimestre ante o período imediatamente anterior. Na América Latina, o México registrou avanço de 0,8%, na mesma base de comparação.

Na Europa, registraram avanço no PIB do terceiro trimestre ante o trimestre anterior o Reino Unido (0,8%) e a Alemanha (0,3%). A União Europeia como um todo registrou avanço de 0,2% no terceiro trimestre.
Na comparação com os BRICs, outras grandes economias emergentes, o Brasil teve o terceiro maior crescimento. Com esses países, no entanto, só há comparação na base do terceiro trimestre ante o mesmo trimestre do ano anterior. O crescimento de 2,2% no PIB do Brasil ficou abaixo dos 7,8% da China e dos 4,8% da Índia. África do Sul cresceu 1,8% e a Rússia, 1,2%.

Entre os PIBs per capita, o Brasil teve o segundo maior resultado (US$ 12,1 mil). Apenas a Rússia registrou PIB per capita acima do brasileiro (US$ 17,7 mil). África do Sul (US$ 11,3 mil), China (US$ 9,1 mil) e Índia (US$ 3,9 mil) ficaram com resultado abaixo.
Brasil tem o menor resultado do PIB entre as maiores economias do mundo (© Infogram)
 Por Economia & Negócios, estadao.com.br

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

DESVENDAndo a espuma ii: de volta ao enígma da classe média
A repercussão do meu artigo “Desvendando a espuma: o enigma da classe média brasileira” foi tamanha neste blog, que eu não pude me furtar ao dever de retornar à discussão proposta pelas centenas de comentários que ele ensejou. Como não posso responder a cada um individualmente, embora eu o quisesse e muitos merecessem, faço isto com este novo texto, desta vez um pouco mais sistemático, com o intuito de reafirmar algumas questões, esclarecer outras, e aprofundar ainda outras.
Inicialmente, gostaria de agradecer a todos os comentaristas que, mesmo os mais críticos, acabaram por valorizar a discussão provocada pelo texto, e motivaram-me a aprofundar algumas questões neste novo post.
O que eu afirmei no texto anterior é que as posições reacionárias de boa parte da classe média identificadas pela Marilena Chauí são sustentadas fundamentalmente por um “ethos meritocrático”, embora eu reconheça que não tenha esclarecido suficientemente o que seria isto, o que causou muita confusão. Pretendo clarear esta posição aqui. Então vamos lá que o caminho é longo!
Decodificando o “ethos meritocrático”
A palavra “ethos” foi usada no artigo “Desvendando a espuma...” para designar uma espécie de síntese das crenças e valores desta classe média a qual me referi. Eu penso que uma parte significativa da classe média comunga de um sistema de crenças que associa o mérito à eficiência, progresso e justiça; portanto, uma sociedade só progrediria, só seria eficiente e justa se organizada sob um regime meritocrático, que premiasse o mérito e punisse o demérito. Políticas públicas que subvertem o mérito gerariam indolência, ineficiência, estagnação e injustiça, o que, reconheçamos, é a base da maioria das críticas aos programas sociais e ações afirmativas atuais.
Acho que este sistema de crenças ficou ainda mais claro pelo teor dos comentários da maioria daqueles que, em crítica ao meu texto anterior, bradaram em defesa da meritocracia. É claro que existe um componente de “interesse” associado a este ethos, ou seja, ele não se resume a um sistema de crenças e valores; aqueles que alcançaram posições de sucesso por mérito próprio, ao defenderem a meritocracia defendem também seus interesses pessoais, mas estou certo de que fazem isto acreditando na justiça que isto representa, pois creem ser justa a posição que ocupam por ter sido conquistada pela via do mérito.
Muitos dos que defendem a meritocracia usam como referência, inclusive, suas histórias pessoais, que geralmente contam da ascensão social obtida com esforço e superação pessoal, o que mostra que este “ethos” tem a ver com o modo como se formou e se reproduz socialmente esta porção da classe média de quem eu falo. É muito comum pessoas que tiveram histórias pessoais de superação, que ascenderam na vida com muito esforço pessoal, tornarem-se meritocratas fervorosos e conservadores, com base em um raciocínio muito simples e dedutivo: "se eu que tinha poucas condições consegui, todos podem conseguir; se não conseguem é porque não se esforçaram o suficiente; e se não se esforçaram, então não merecem".
Mas, embora a história pessoal de cada um faça parte da formação do seu sistema de crenças e valores, extrapolar, por silogismo, o seu caso particular para a sociedade é um reducionismo inconsequente. Exemplos individuais não funcionam bem para extrapolações sociais, pois a sociedade é bem mais do que a soma dos indivíduos que a compõem. Esta concepção de um sistema social ser uma pura e simples agregação de indivíduos está superada na maioria das ciências sociais e humanas.
O foco central do texto “Desvendando a espuma” foi mostrar como este ethos meritocrático leva a atitudes reacionárias de parte da classe média, ou seja, como esta forma de crença na meritocracia pode fundamentar um tipo de ideologia que produz pessoas que, do ponto de vista da vida coletiva, são intolerantes, avessas à atividade política, individualistas, aparentemente insensíveis aos problemas sociais, e reativas a qualquer política compensatória ou distributivista.
Neste texto, pretendo argumentar que certas promessas da meritocracia, estas mesmas que produzem comportamentos políticos reacionários, são crenças vãs, e que a meritocracia produz uma ilusão de eficiência, de progresso e de justiça que não corresponde à realidade.
Meu propósito, porém, não é acabar com a meritocracia (eu não proporia substituir os concursos públicos, por exemplo, pelas antigas indicações pessoais), mas sim relativisá-la, mostrando que ela não corresponde ao ideal de eficiência, progresso e justiça que a sustenta como crença. Proponho-me, assim, a desconstruir suas bases racionais, mostrando a falaciosidade de cada uma destas crenças, para liberar as políticas públicas para que possam atuar sob outras bases de legitimação, para buscarem desenvolvimento e justiça por fora dos limites da meritocracia.
A ilusão de eficiência e progresso da meritocracia
Meritocracias modernas são sistemas burocráticos. O primeiro cientista social a desvendar o nascimento da meritocracia como fundamento da autoridade nas organizações modernas, esta meritocracia ungida pela racionalidade e pela ciência, foi o sociólogo alemão Max Weber. Ele Fez isto justamente ao dissecar a passagem das organizações pré-modernas, tradicionais, cuja autoridade era baseada na tradição ou no carisma, para as grandes e modernas organizações burocráticas, cuja autoridade é de fundamentação legal-racional. O mérito, portanto, e não a tradição nem o carisma, passava a ser o critério para ocupar cargos de autoridade e ter acesso a recursos de poder.
Não só as burocracias são sistemas meritocráticos, como também as meritocracias, em regimes democráticos, tendem a se burocratizarem com o tempo. A burocracia é uma força modeladora inescapável quando se racionaliza e regulamenta algum campo de atividade, como a meritocracia exige. Claro, não estou falando em meritocracias baseadas exclusivamente no desempenho de mercado, em sistemas de mercados totalmente desregulados, de uma forma tal que nem existem casos empíricos, nem nas meritocracias de regimes autoritários. Falo em meritocracias reguladas por instituições sociais em regimes democráticos, como normalmente ocorrem no mundo real, sobretudo nas democracias liberais ocidentais.
Pense em um sistema meritocrático qualquer e você verá que precisará de um complexo sistema de avaliações para estabelecer a discriminação de mérito entre as pessoas e entre as organizações. Comece a montar este sistema e você invariavelmente tenderá a estabelecer regras, hierarquias de valor, critérios, indicadores, etc. Inescapavelmente você criará um sistema burocrático, que orientará e circunscreverá as ações de seus avaliados da mesma maneira que os estatutos de servidores regem as ações dos funcionários públicos. Pessoas sob regimes de avaliação meritocrática se tornam burocratas comportamentais. Os sistemas de avaliação são as novas normas de atuação individual e organizacional, a semelhança do que fazem os estatutos funcionais das organizações mais burocráticas.
Os grandes problemas funcionais das burocracias já foram vastamente dissecados e tem a ver exatamente com a eficiência. Burocracias produzem comportamentos ritualistas e formalistas, levam à excessiva impessoalidade, criam resistência às mudanças e dificuldades de adaptação, produzem centralização, dentre outras tantas que conhecemos muito bem. Pois todas elas podem ser atribuídas também às meritocracias, uma vez que estas produzem sistemas de avaliação que burocratizam a ação.
Mas, o mais profundo efeito social da burocracia e da meritocracia, como afirmei no meu primeiro texto, é sobre a racionalidade humana. A meritocracia burocrática estimula a racionalidade formal, desautoriza as pessoas a pensar racionalmente nos fins, desestimulando o raciocínio crítico e as ações orientadas por valores e por convicções pessoais. Submetidos a sistemas meritocráticos, todos se orientam por metas e estímulos avaliativos externos, sobre os quais não tem controle. Professores e pesquisadores guiam-se pelos pontos que cada atividade sua proporciona em seu Lattes, escolas orientam-se pelos critérios de avaliação do Ideb, alunos se envolvem apenas com o conhecimento que cai no vestibular, artistas orientam-se pelo que tem demanda de mercado ou pode ser convertido em mercadoria. Assim, professores viram ritualistas e formalistas produtores de artigos, não de conhecimento; escolas viram formadoras de alunos, não de cidadãos; alunos se tornam especialistas em provas, não em saberes; e artistas já não produzem obras artísticas, e sim produtos. De alguma forma, a racionalidade meritocrática dá origem a um certo irracionalismo, a uma prisão do homem às regras e à racionalidade formal, mais ou menos no sentido do “eclipse da razão” descrito por Horkheimer, e da “gaiola de aço” a que Weber chamou as burocracias (a Iron Cage weberiana).
A meritocracia no sistema acadêmico brasileiro é muito ilustrativa desta lógica, e é preciso que eu corte a própria carne para falar disto. Mas de certa forma, todos na academia sabem que os sistemas de avaliação da CAPES e do CNPq têm levado a um produtivismo estéril, e alguns compartilharam isto em seus comentários sobre o meu primeiro artigo. Ao rankear pesquisadores e programas de pós-graduação quase que exclusivamente pela produção de artigos em periódicos, o sistema meritocrático da academia brasileira transformou a todos, pesquisadores, professores e estudantes em ritualistas e formalistas produtores de artigos. O significado do conhecimento produzido não é importante, desde que ele esteja publicado em uma revista também devidamente rankeada pela CAPES.
Os resultados deste sistema são trágicos: professores e alunos relegando para segundo plano as atividades de formação; desestímulo total à produção de livros de forma que em muitas áreas eles ou sumiram totalmente, ou são apenas adaptações de teses e dissertações, ou então coletâneas de artigos; surgimento de toda a sorte de fraude e engodo que produza artigos (compartilhamento de publicações entre pessoas que não participaram da produção, republicação de artigos com outro título, fracionamento desnecessário de produções para produzir vários artigos, dentre outros), e estímulo à esterilidade científica, à produção sem significado, sem relevância, sem substância inovadora.
As exigências de produtividade são um estímulo ao status quo, obstruindo a criatividade, a iniciativa, o senso crítico e a inovação. Quando se tem metas produtivas a cumprir, inovar, criar, empreender, fugir ao normal pode ser perigoso, pode ser incerto, pode ser arriscado, portanto não é desejável. O mais seguro é fazer “mais do mesmo”.
Isto não acontece somente aqui, não é mais uma destas coisas que se acha que só acontecem no Brasil. O pesquisador australiano Stewart Clegg afirmou, certa vez, que “pesquisadores que buscam legitimação profissional podem com muita facilidade ser pressionados a aprender mais e mais sobre problemas cada vez mais desinteressantes e irrelevantes, ou a investigar mais e mais soluções que não funcionam”.
Coisas da meritocracia no sistema acadêmico, levando simultaneamente à ineficiência e à estagnação/desutilidade do conhecimento. Como associar meritocracia com eficiência e progresso, se sistemas meritocráticos tendem a levar à burocratização das ações humanas, a fomentar à racionalidade formal e a desestimular a criatividade, a iniciativa, o senso crítico e a inovação?
A ilusão de justiça da meritocracia
Muitos dos comentaristas do texto “Desvendando a espuma” tentaram argumentar que não é a meritocracia em si, mas a meritocracia brasileira que é injusta porque nem todas as pessoas têm as mesmas condições de competir, porque há uma desigualdade de pontos de partida que privilegia aqueles mais bem posicionados na sociedade. É verdade, este é um problema a mais para a meritocracia, mas vou tentar mostrar que mesmo que todos tivessem as mesmas condições de concorrência, que dispusessem dos mesmos recursos, ainda assim a meritocracia não poderia, por si só, conduzir à justiça.
Primeiro, cabe destacar que estamos lidando com um conceito amorfo, controverso, “justiça”, muito difícil de ser tratado, que provavelmente terá uma conotação diferente para cada corrente ideológica, o que já é um problema para a meritocracia, pois contradiz a sua pretensão de objetividade e imparcialidade. Neste sentido, no ethos meritocrático, a defesa da meritocracia como justa é um tanto tautológica, pois para um meritocrata o conceito mesmo de justiça está associado ao mérito: “justiça é dar a cada um conforme seu esforço e sua capacidade”. Então, no ethos meritocrático, a questão não é se a meritocracia levaria ou não a uma sociedade justa; o mérito mesmo é que estaria na própria definição de justiça, e a meritocracia seria, portanto, intrinsecamente justa.
Este conceito de justiça do ethos meritocrático tem duas premissas com as quais eu não concordo: que numa meritocracia cada um, realmente, recebe o que é merecido conforme seu esforço e sua capacidade; e que, socialmente, se pode formar o todo a partir da mera soma das partes (justiça social seria uma mera soma destas justiças individuais), ignorando mecanismos sistêmicos e estruturas econômicas e sociais que operam na sociedade por sobre e além dos indivíduos.
Vou tentar desenvolver aqui a ideia de que, se a meritocracia baseia-se no desempenho e não no merecimento (portanto, depende mais de instrumentos do que de valores); se o desempenho de mercado não pode prover a justiça social; se o desempenho, em geral, e os critérios que o medem são moldados pelos poderes políticos e econômicos; e se o mérito é apenas uma convenção social e não uma substância dos seres que são avaliados, não há como a justiça ser um valor intrínseco à meritocracia, ou a meritocracia, por si só, produzir uma ordem social justa.
Como eu já havia afirmado no texto anterior, numa meritocracia o mérito é medido pelo desempenho, que muito provavelmente não indica o verdadeiro merecimento. E este desempenho, numa sociedade de economia mista como a nossa, refere-se tanto a resultados obtidos no mercado como a resultados obtidos em processos de avaliação de mérito (vestibular, concursos públicos, processos de avaliação, concorrências em editais, processos judiciais e tantos outros). A pergunta a fazer então é, será que medidas que premiam os bons desempenhos no mercado e em processos de avaliação de mérito são boas para promover uma organização social “justa”?
Bem, com relação ao desempenho de mercado, não me parece necessário maiores digressões para afirmar que ele, por si só, não pode prover a justiça. Até o pai dos liberais, Adam Smith, reconhecia que prover a justiça é uma das funções do Estado. O mercado pode até prover com abundância bens e serviços, mas não necessariamente com justiça, por isto os próprios liberais preferem tratar o mercado como uma instituição aética. As leis da oferta e da demanda se orientam pela oportunidade, não por valores morais; já vi, por exemplo, nos dias subsequentes a uma tempestade de granizo que destruiu principalmente as casas mais humildes, o preço da telha quase dobrar em função do aumento da demanda, tornando a agonia dos flagelados ainda maior. Isto é das leis de mercado, e pode até ter melhorado o desempenho das empresas de materiais de construção, mas certamente não promoveu justiça alguma.
Meu argumento para refutar o desempenho de mercado como capaz de prover justiça social não depende de qualquer análise marxista, que seria óbvio demais. Ao contrário, os primeiros a identificarem e reconhecerem as falhas do mercado como geradoras de “custos sociais” foram economistas neoclássicos – liberais, portanto - como Arthur Pigou e Ronald Coase, que desenvolveram o conceito de externalidade negativa ou custo externo (custos privados externalizados para a sociedade). Muitas políticas intervencionistas e regulacionistas são baseadas nestes conceitos, mesmo nas economias mais liberais. Os mercados, livremente, não conseguem garantir sequer as próprias condições do seu funcionamento, a concorrência, base de sua suposta eficiência, pois o oportunismo privado tende a levar à concentração de mercado, ao conluio e à busca pelo poder de monopólio. Por isto os países têm suas “leis de defesa da concorrência”, cujo nome é bem sugestivo das contradições do mercado: a concorrência é um valor dos mercados que precisa ser defendida da própria lógica do mercado.
A maioria das economias de mercado, atualmente, sobrevivem de uma armadilha perversa e inescapável. Para sustentarem seus padrões de crescimento, sem os quais estas economias entrariam em colapso, as empresas precisam vender sempre mais e para isto precisam fomentar o consumo; para fomentarem o consumo, elas precisam vender produtos que sejam rapidamente superados por outros, então, elas programam inovações que obsoletizam os seus próprios produtos, no círculo vicioso da concorrência, inovação e “obsolescência programada”. Isto gera toda a sorte de custos sociais, como o lixo que se acumula nas cidades, o excesso de carros no trânsito, a poluição do ar e dos rios, o lixo cultural, etc. Então, a busca por desempenho de mercado pode causar grandes custos à sociedade.
Nestas condições, não vejo como associar desempenho de mercado com uma ordem social justa. Portanto, o desempenho de mercado pode ser meritório apenas do ponto de vista individual, privado, na luta do indivíduo contra si mesmo, contra os seus desafios e suas limitações, mas não justifica organizar a sociedade em função dele.
Já o desempenho nas avaliações de mérito, outro pilar das meritocracias, também não é capaz de conectar meritocracia e justiça para além da concepção tautológica do ethos meritocrático. Simplesmente porque o que se chama de mérito é algo subjetivo, parcial e convencional, e por isto mesmo está frequentemente em disputa. Então, a meritocracia não pode ser intrinsecamente justa, ao contrário, o conceito de justiça de cada ideologia política é que define o que é meritório ou não.
Vou dar um exemplo simples surgido aqui mesmo neste blog, nos comentários do meu primeiro texto. De antemão, peço desculpas por usar-me como referência, mas a analogia é irresistível. Um dos comentaristas do texto “Desvendando a espuma” escreveu, elogiando-me, "ótimo trabalho do Renato, que deve ser um ótimo professor"; já outro, em sua crítica a mim e ao texto, escreveu "senhor professor, lamento pelos seus alunos".
Não tenho nenhum reparo a fazer a qualquer dos dois comentários a meu respeito, mas estas palavras dizem muito sobre o que eu escrevi. Se eu fosse avaliado no mérito docente por aquele texto, qual deveria ser a avaliação considerada? Eu tenho méritos para ser professor ou não? Certamente as avaliações de ambos os comentaristas estão balizadas por posições político ideológicas diferentes, e dizem um pouco do que cada um espera de um professor, embora digam coisas absolutamente antagônicas.
Na verdade, o que me legitima como docente foi ter passado em um concurso público, em que a maioria da banca avaliou o meu desempenho em algumas provas, segundo normas preestabelecidas, e concluiu que eu tive um desempenho melhor que os demais concorrentes. Mas nesta como em qualquer outra avaliação de mérito, não se estabelece uma "verdade"; o que dá legitimidade para uma decisão de mérito são os procedimentos. Sim, embora as pessoas individualmente avaliem o mérito com base em seus valores pessoais, como os meus comentaristas acima, do ponto de vista social, coletivo, o mérito não é um valor em si, ele é uma convenção: se convenciona o que se estabelecerá como juízo de mérito.
O judiciário é um exemplo rico do que estou falando. Na sua avaliação de mérito em um processo, o STF pode condenar um réu que obteve 5 votos como culpado e 4 como inocente. O que dá legitimidade à condenação é o procedimento da "maioria simples", mas isto não significa que se chegou a uma "verdade", a uma conclusão incontroversa, o que de fato não ocorreu se houve quatro votos pela inocência; portanto, o mérito verdadeiro da questão não foi alcançado. Observe que se o procedimento para estabelecer este mérito fosse o consenso, o resultado seria inverso. Porém, após a decisão tomada, o réu é condenado, e as decisões assumem "efeitos de verdade". Culpado! declara-se. Da mesma forma, após a aprovação no concurso público, o mérito está estabelecido, não importam as controvérsias a respeito da avaliação dos candidatos, nem o que acontece depois. E qualquer contestação, se houver, será dirigida por procedimentos, não por valores em si, não pelo mérito da questão.
É claro que eu estou falando, aqui, das sociedades que chamamos de "democracias pluralistas", estas com ideologias, interesses e valores concorrentes, que disputam e, muitas vezes, se alternam no poder. Nestas o mérito é uma convenção que é disputada politicamente. Não vou me ocupar, portanto, dos regimes autocráticos; nestes, mérito e justiça podem ter menos correlação ainda, pois o mérito é um juízo de valor feito pelo ocupante do poder, que não precisa justificá-lo racionalmente nem precisa de sistemas burocráticos de mediação. Nestes casos, o mérito é uma imposição. O autocrata não precisa de convenções nem de mediações, ele é ao mesmo tempo o juíz e a lei! No campo político, esta não é a nossa realidade, portanto, não estou me ocupando dela, embora pense que não se deva confundir a meritocracia nestas duas condições distintas. Somos uma economia de mercado com uma dita democracia pluralista, baseada na burocracia e no sistema de representação, e isto faz muita diferença, por exemplo, em relação a regimes imperiais.
O sociólogo alemão Niklas Luhmann tratou disto nas sociedades modernas, em seu livro “Legitimidade pelo Procedimento”, sobre a sociologia do direito. Lá ele afirmou que devido à alta complexidade, variabilidade e potencial de contradição dos inúmeros temas que tratamos nas modernas sociedades, é praticamente impossível se chegar a consensos, se chegar a convicções compartilhadas e se alcançar a verdade em cada coisa que é objeto de decisão. Por isto, se estabelecem procedimentos para decidir, para separar, para classificar, e se legitimam por estes procedimentos - não mais pelas convicções, como no passado - as decisões e ações. Então, se o mérito de determinada matéria é convencionado e legitimado pelos procedimentos, num tipo de sociedade como a nossa, a justiça mesma é uma convenção.
O que estou querendo dizer é que, a despeito de muitos acharem as avaliações meritocráticas (base de qualquer meritocracia) objetivas, isentas de juízos de valor, de subjetividade, de interesses, de controvérsias, de poderes, elas não o são. Portanto, o merecimento não é alcançado pela meritocracia, tampouco a justiça: o mérito é, na verdade, uma convenção, e o que lhe dá legitimidade não são valores substantivos, convicções ou verdades objetivas, mas sim procedimentos e regras. E os procedimentos usados para avaliar desempenhos, dos quais fazem parte critérios subjetivos, dependem de nossas crenças, ideologias e interesses, e estes estão frequentemente em disputa. Dependem, portanto, da política. Assim, o mérito não é algo objetivo, ele é "objetivado". Se eu fosse avaliado no meu mérito docente pelos comentaristas deste blog, provavelmente o meu destino dependesse das opiniões dominantes por aqui e do poder que elas acumularam neste espaço, e nenhum de nós poderia negar que isto está atrelado às crenças, interesses e ideologias de cada um e de cada grupo. Sendo assim, eu não deveria me sentir melhor ou pior por ser aprovado ou rejeitado pela maioria.
O “mérito”, então, não está no avaliado, e sim no avaliador. Não é algo intrínseco aquele ou aquilo que é avaliado: ele se forma subjetivamente na mente daquele que avalia e se objetiva no sistema (nos procedimentos e normas) de avaliação. Portanto, contraditoriamente, o que está em jogo nas avaliações de mérito não é o valor daquele ou daquilo que será premiado ou punido pela meritocracia, mas os interesses, crenças, ideologias e poderes daqueles que avaliam e do sistema de mérito que eles representam. Então, é aí que se deve buscar a justiça, não na recompensa ou não pelo mérito.
Por isto eu escrevi que, apesar da meritocracia escamotear as reais operações de poder, os poderes econômico e político, não raras vezes, é que estão por trás dos critérios avaliativos e dos “bons” desempenhos. Como desempenho e mérito são convencionados, e convenções são disputadas politicamente, a meritocracia opera as mesmas relações de poder e dependência as quais ela veio pretensamente combater.
O real valor e o lugar da meritocracia na atualidade
O real valor dos sistemas meritocráticos ainda existentes nas sociedades modernas não está associado às crenças do ethos meritocrático expressas neste texto, que associam mérito a eficiência, progresso e justiça, e que depositam na meritocracia a possibilidade de redenção da raça humana da ingerência indevida e perniciosa da política e dos políticos. Não, lamento dizer, mas a realidade é exatamente o contrário, os sistemas de mérito e as burocracias modernas é que estão a serviço dos sistemas políticos, sobretudo nas democracias pluralistas típicas dos países ocidentais.
Como defendeu Paul du Gay no seu “In praise of bureaucracy”, nestes sistemas políticos, como já frizei acima, onde interesses, valores e ideologias convivem e disputam cotidianamente a possibilidade de influir nos destinos da nação, e frequentemente se alternam no poder, os sistemas de mérito baseados em valores, procedimentos e critérios pré-convencionados, tal como se descreveu aqui, garantem uma certa mediação imparcial dos conflitos típicos destes regimes, evitando que o Estado seja apropriado privadamente a cada vez que um novo grupo político assume o poder. Assim, existem concursos públicos e estabilidade no emprego para o funcionalismo público, não por que seja necessariamente mais eficiente obter e manter funcionários desta forma, ou que este seja o critério mais justo ou mesmo que assim as ações públicas serão mais progressistas. Não, eles existem para dar alguma estabilidade às organizações de Estado quando o poder político troca de mãos.
Não há outra razão para que as burocracias, que são os típicos sistemas meritocráticos, sobrevivam até hoje e tenham, inclusive, recrudescido nas últimas décadas, quando todos sabem, desde os idos anos de 1950-60, que elas são ineficientes, perdulárias, pesadas, rígidas e disfuncionais para a promoção do desenvolvimento e da justiça. A burocracia e a representação política são os dois pilares das democracias pluralistas, a versão moderna do liberalismo político.
Mas veja bem, este valor associado à meritocracia não a exime de todos os seus defeitos já apontados, e não tem nada a ver com a crença que muitos têm nela, ligadas ao ethos meritocrático que eu analisei aqui. Então, muitas políticas pretensamente meritocráticas, atualmente, são desenvolvidas e implantadas pelas razões erradas, porque comungam das crenças erradas e pensam que podem promover eficiência, desenvolvimento e justiça com sistemas meritocráticos. Ledo engano, promoverão exatamente o contrário. De outro lado, outras tantas políticas que operam no campo dos valores substantivos, que perseguem outras concepções de justiça e desenvolvimento, por exemplo, são combatidas por aqueles que comungam deste ethos meritocrático. Portanto, defende-se a meritocracia pelas razões erradas, e usa-se-a politicamente por fundamentos igualmente errados.
Se bem compreendido, este valor que os critérios de mérito tem para as democracias pluralistas jamais poderia levar a uma posição política reacionária, ou a qualquer tipo de comportamento intolerante em relação às diferenças ideológicas, de valores e de interesses, ou ainda a qualquer comportamento reativo à atividade política, como tem acontecido com parte da classe média que comunga daquele ethos meritocrático do qual tenho falado. Ao contrário, se este tipo de sistema de mérito ainda existe para garantir a pluralidade e a alternância de poder, ele deveria produzir mentalidades tolerantes, reconhecedoras do pluralismo democrático, conscientes do caráter meramente convencional e formal do mérito, e sabedoras de que o espaço público da política, e não o microespaço privado do mérito em si, é que é o legítimo locus coletivo para se buscar o desenvolvimento e a justiça social. Portanto, políticas não meritocráticas podem ser mais democráticas, desenvolvimentistas e justas.
Finalmente, mesmo reconhecendo o que alguns propuseram, que um sistema só seria mesmo meritocrático se todos partissem do mesmo lugar, se todos tivessem as mesmas condições de concorrência, tenho convicção de que mesmo assim a meritocracia não daria conta das suas promessas de eficiência, progresso e justiça. Como tentei mostrar aqui, qualquer sistema exclusivamente meritocrático com o tempo se retroalimenta para produzir a desigualdade e a exclusão, para criar círculos viciosos baseados na racionalidade instrumental e formal, para criar comportamentos ritualistas e formalistas, para fomentar práticas fraudulentas, e para criar estruturas de poder paralelas que controlam as avaliações e forjam desempenhos. Sistemas puramente meritocráticos deformam a sociedade e afastam-na do desenvolvimento humano e da justiça social.
Mesmo que as democracias pluralistas precisem que alguns espaços públicos sejam ocupados por critérios de mérito, para garantir a estabilidade e regularidade das ações do Estado face à alternância de poder, isto não significa que elas devam ser sistemas sociais meritocráticos. A meu ver, a meritocracia implícita no ethos meritocrático continua a ser ineficiente, reacionária e injusta. Portanto, a meritocracia não é nem o remédio "contra" a política, nem uma diretriz para a política pública. Qualquer meritocracia é debitária da política, ela opera sob juízos de valor relativos ao mérito que são políticos e, em parte, a meritocracia burocrática é uma espécie de sustentáculo das democracias pluralistas e representativas. Nada mais! Nada de eficiência, progresso ou justiça lhe são intrínsecos.

Enquanto houver Democracia, o Judiciário é a esperança

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