quarta-feira, 27 de janeiro de 2016



China: o fracasso como fonte do sucesso 
Vamos direto à ferida. 
O grande problema econômico chinês é a gestão da economia feita por Pequim. Mas também é sua grande vantagem competitiva.

Nós, brasileiros, deveríamos rir até chorar…  
Imaginem os chineses crescendo 7% ao ano e reclamando da política econômica de seus governantes. 
Enxergamos muitos paralelos entre o que a China foi capaz de construir em sua economia e o que o governo atual imaginava ser possível aqui no Brasil. 
A grande (enorme) diferença é que os governantes de lá mostram uma competência muito maior do que os nossos. Claro que existem problemas, mas se o histórico de crescimento dos últimos 20 anos do gigante asiático for observado, eles estão em boas mãos. 
No entanto, antes de confiar na capacidade da liderança chinesa de tirá-los do "atoleiro", vamos clarear alguns pontos. 

O fracasso é a fonte do sucesso 
Parece que o pânico está tomando conta dos mercados globais. 
Mas os mercados de ações chineses são relativamente desimportantes para a economia local. 
Aproximadamente 80% dos investidores em ações por lá são pessoa físicas. Sem fundamentos, compram por impulso e vendem por medo. Isso, obviamente, acaba amplificando os movimentos. 
Uma maior presença de investidores institucionais daria uma maior estabilidade para as ações chinesas. 
Lembrando que a renda fixa da China impõe perdas a seus investidores e é bastante difícil aos locais investir em ativos offshore
Claro que podemos tirar algumas conclusões olhando os movimentos locais, mas não podemos superestimar seus efeitos sobre a economia real. 
Podemos então imaginar que os mercados por lá sejam bastante voláteis. É o que estamos vendo neste início de ano.

Como a distância testa a força do cavalo, só o tempo revela o real caráter de uma pessoa. 
Os mercados chineses sofreram o resultado da mesma injeção de capital que as companhias de infraestrutura. 
Muitos projetos prontos estão vazios mostrando claramente como o ímpeto de construção estatal foi longe demais. 
O Banco Central chinês vem injetando doses cavalares de crédito diretamente na veia de companhias de infraestrutura estatais e outras bem conectadas com o partido no poder. 
Qualquer semelhança com o que o BNDES faz aqui no Brasil não foi intencional. 
Logo, muito do que aconteceu no mercado chinês e em sua própria economia foi devido à injeção de capital barato. Uma hora a festa teria que acabar. 
Podemos então ter o estouro de uma bolha de crédito na China. 
Isso nos leva ao próximo ponto importante. 

Eventos vindouros projetam sombra à sua frente 
Os bancos são responsáveis por aproximadamente 55% do índice HSI, da Bolsa de Hong Kong. 
Se existe uma bolha de dívida na China, os mais expostos ao seu estouro são os bancos locais. 
A maioria é estatal e, claramente, está mais preocupado em manter outras estatais vivas que em ter um retorno interessante sobre seu capital. 
A China sempre usou seus bancos como ferramentas de política econômica. Ideia que foi também utilizada por nossos geniais governantes por aqui. 
O problema é que lá os bancos não são rentáveis como os nossos e negociam a múltiplos até menores do que os brasileiros. 

É fácil encontrar 1.000 soldados mas difícil encontrar 1 só general 
O problema principal no gigante asiático é que o benefício de uma mão de obra barata no país está acabando. 
O governo procurou desvalorizar o yuan neste início de ano justamente para elevar a competitividade de sua indústria. Mas ao invés de elevar a confiança dos investidores locais, o movimento teve resultado contrário. 

Já em 2013, o Governo chinês anunciou um pacote de reformas e vem implementando essas mudanças econômicas. 
A recondução de foco na economia, da construção civil e indústria pesada para os serviços, é desejável tanto localmente quanto no exterior. 
É aqui que os governantes querem trabalhar. 
A economia chinesa precisa se libertar dos pesados controles estatais para despertar o espírito animal dos capitalistas locais. 
As estatais zumbis precisam ser refreadas. Os sistemas de previdência social, de assistência médica e de impostos precisam ser reformados e fortalecidos. 
Uma melhor regulamentação ambiental é crucial. 

Um buraco pequeno não tapado pode se tornar um buraco gigante muito mais difícil de consertar 
A demanda está em queda, inflação em baixa e dívidas crescendo. 
A confiança nos números de crescimento chinês impactam diretamente a confiança na capacidade de pagamento dos atores locais. 
A dívida do governo equivale a somente 55% do PIB - o Brasil está em 66% aproximadamente. EUA está em 89% e Japão em 234%. Mas o problema é (como no Brasil) o crescimento desta dívida. 
A dívida de empresas não financeiras chinesas cresceu de 72% para 125% do PIB desde 2007. 
O contínuo aumento de estímulos econômicos permitiu que siderúrgicas e mineradoras improdutivas continuassem operando. 
Vemos os impactos diretos destas políticas no setor siderúrgico e de mineração global, e também nas empresas brasileiras. 
A péssima alocação de capital pelo estado nos últimos anos e a manutenção de empresas zumbis improdutivas puxa para baixo a produtividade da economia como um todo. 
A China precisa deixar que suas companhias fantasmas quebrem e que o capitalismo comece a irrigar sua economia. Uma questão de eficiência.

Um pé perfeito não tem medo de um sapato torto 
Como vemos no Brasil, é difícil alcançar isso rapidamente. 
Mas certamente o governo chinês tem maior credibilidade que o nosso em conseguir realizar reformas e buscar consenso. Isso já é de grande ajuda. 
Os estímulos econômicos são apenas uma muleta até que a economia consiga novamente parar de pé sozinha. 
Mas o crescimento global está em retração há alguns anos. 
Claro que a injeção de capital por parte do PBOC na economia é só uma medida paliativa. O que fará o gigante ressurgir das cinzas são as reformas econômicas. 
Ao contrário do que nosso Governo faz por aqui, por lá vemos mudanças acontecendo. 
O fator determinante para a China continuar caminhando para se transformar na maior economia do mundo é a velocidade das reformas. 
A economia precisa retomar o fôlego antes que o caixa do governo seja exaurido. 
Na falta de reformas, a China está fadada à mesma estagnação de economia de renda média que o Brasil se encontra desde os anos 70. 
A corrida já começou.
 
Fonte: Bruce Barbosa – Resenha Empiricus

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Juiz diz que lei de cotas para negros em concursos públicos é inconstitucional

A aplicação da lei de cotas raciais em concursos públicos (Lei 12.990), que reserva 20% das vagas a candidatos que se autodefinem pretos ou pardos, foi declarada inconstitucional pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da Paraíba, no julgamento de um caso de nomeação postergada pelo Banco do Brasil. De acordo com a sentença do juiz Adriano Mesquita Dantas, a legislação viola três artigos da Constituição Federal (3º, IV; 5º, caput; e 37, caput e II), além de contrariar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Segundo o advogado da causa, essa é a primeira vez que um juiz declara a inconstitucionalidade da legislação, em vigor desde 2014.

De acordo com a sentença, proferida nesta segunda-feira (18/1), a cota no serviço público envolve valores e aspectos que não foram debatidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), quando tratou da constitucionalidade da reserva de vagas nas universidades públicas. Segundo Dantas, naquele caso estava em jogo o direito humano e fundamental à educação, o que não existe com relação ao emprego público.

“Não fosse assim, teria o Estado a obrigação [ou pelo menos o compromisso] de disponibilizar cargos e empregos públicos para todos os cidadãos, o que não é verdade, tanto que presenciamos nos últimos anos um verdadeiro enxugamento [e racionalização] da máquina pública. Na verdade, o provimento de cargos e empregos públicos mediante concurso não representa política pública para promoção da igualdade, inclusão social ou mesmo distribuição de renda. Além disso, a reserva de cotas para suprir eventual dificuldade dos negros na aprovação em concurso público é medida inadequada, já que a origem do problema é a educação”, analisou o magistrado da 8ª Vara do Trabalho do Paraíba, que ainda acredita que com as cotas nas universidades e também no serviço público, os negros são duplamente beneficiados.

Dantas também defendeu o mérito do concurso e acredita que a instituição de cotas impõe um tratamento discriminatório, violando a regra da isonomia, sem falar que não suprirá o deficit de formação imputado aos negros. “É fundamental o recrutamento dos mais capacitados, independentemente de origem, raça, sexo, cor, idade, religião, orientação sexual ou política, entre outras características pessoais”, afirma.

O magistrado ainda prevê que a lei de cotas permite situações “esdrúxulas e irrazoáveis”, em razão da ausência de critérios objetivos para a identificação dos negros, assim como de critérios relacionados à ordem de classificação e, ainda, sem qualquer corte social. “Ora, o Brasil é um país multirracial, de forma que a maioria da sociedade brasileira poderia se beneficiar da reserva de cotas a partir da mera autodeclaração”.

A decisão foi tomada em julgamento referente ao concurso do Banco do Brasil (edital 2/2014). Um candidato que passou na 15ª posição (para a Microrregião 29 da Macrorreião 9) se sentiu prejudicado após ter sua nomeação preterida pela convocação de outros 14 classificados, sendo 11 de ampla concorrência e três cotistas que, segundo o juiz, teriam se valido de critério inconstitucional para tomar posse e passar na frente do candidato (eles foram aprovados nas posições 25º, 26º e 27º).

Ainda segundo o processo, durante o prazo de validade do concurso, houve nova seleção, o que gera automaticamente direito à nomeação. Por essa razão, o juiz determinou a contratação do reclamante, sob pena de multa diária de R$ 5.000. O BB não se posicionou até o fechamento da reportagem. 

Decisão histórica
De acordo com o advogado do caso e membro da Comissão de Fiscalização de Concursos Públicos da OAB-DF, esse é o primeiro caso onde um juiz declara a lei de cotas raciais em seleções públicas inconstitucional. “Trata-se de uma decisão histórica. Apesar de o efeito valer apenas para o caso em questão, o tema serve como reflexão para o país inteiro e o julgamento certamente deve chegar até o Supremo Tribunal Federal”, analisa. “O concurso em questão diferencia os candidatos de acordo com sua cor, como se tal diferença demonstrasse desproporção de capacidade em realização de uma prova escrita, o que certamente não ocorre. Isso porque, ao se basear na Lei nº 12.990/2014, que é inconstitucional, reserva 20% das vagas a candidatos pretos e pardos, os quais, pela definição do IBGE correspondem a quase 100% dos brasileiros, uma vez que a definição de pardos é bastante ampla (miscigenados)”, completou o advogado. 

Outro lado
De acordo com o professor José Jorge de Carvalho, pioneiro e criador do sistema de cotas na Universidade de Brasília (UnB), a lei é válida e sua constitucionalidade foi sim assegurada pelo julgamento do STF, com relação às cotas para universidades. “Esse julgamento não vai adiante. Trata-se é uma reação racista de uma classe média que detinha as vagas e os altos salários de concursos como um privilégio. O que o juiz acatou fere o direito à igualdade resguardado pelo artigo 5º da Constituição. As cotas no serviço público derivam da mesma luta no ensino superior”. 

Para exemplificar, Carvalho mencionou a luta de Bhimrao Ramji Ambedkar, reformador social indiano que instituiu o sistema de cotas em seu país, da escola ao serviço público, em 1948. “Antes, pessoas de camadas sociais consideradas inferiores, como os dalits, viviam excluídos de tudo. Ou seja, o pensamento é o mesmo, e o Estado tem que distribuir seus recursos para todos com igualdade. No Brasil, o serviço público é tão branco quanto as universidades. Para se ter uma idéia, cerca de 1% de juizes são negros. Na própria UnB, que instituiu as cotas para alunos há mais de dez anos, menos de 2% dos professores se autodeclaram negros também”.

Apesar disso, o professor reconhece que a lei precisa ser reformulada, já que a autodeclaração é passível de fraude. “Do jeito que está hoje, a legislação é 100% livre para fraude. O que eu propus é que seja aplicada uma autodeclaração confrontada, em que os candidatos se submetam ao julgamento de uma comissão formada majoritariamente por negros. Assim as fraudes seriam significativamente diminuídas”, concluiu.

Fonte: Correio Brasiliense - 19.01.2016 (Publicado em Concursos Públicos, cotas raciais).

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Por que a inflação e os juros no Brasil são altos?




Esqueça termos como “rentismo”, “estrutural” ou “inercial”. A principal causa da alta inflação no Brasil é o fato de não entregarmos a lição de casa fiscal. E a alta taxa de juros é a nossa consequente nota baixa.

Primeiramente, uma definição necessária: a inflação é o aumento contínuo dos preços de bens e serviços. Flutuações sazonais ou causadas por choques temporários não podem ser consideradas inflação.

No Brasil temos um problema crônico com esse fenômeno. A inflação jamais ficou abaixo de 5% por três anos seguidos (pelo IPCA, desde que o índice foi criado, em 1979; e pelo IGP-DI, desde 1945). Desde que começamos a medir a inflação no país muita coisa evoluiu; o que não mudou foi o fato de gastarmos mais do que temos e imprimirmos dinheiro por diversos meios para pagar a conta. Com mais dinheiro na praça, os preços sobem continuamente.

Desde que começamos a medir a inflação no país muita coisa evoluiu; o que não mudou foi o fato de gastarmos mais do que temos.

Apesar da evolução institucional que tirou da tomada algumas impressoras (conta movimento do governo com o Banco do Brasil, limitação da atuação dos bancos estaduais, entre outros), ainda há brechas que permitem ao governo gastar mais do que sua capacidade e utilizar algumas impressoras de dinheiro para se financiar.

E onde entram os juros altos? Em um sistema de metas de inflação (adotado pelo Brasil em 1999), o Banco Central recebe a meta que deve atingir e utiliza a taxa de juros básica para controlar a demanda e arrefecer pressões inflacionárias para chegar ao seu objetivo. Se a inflação está acima da meta, o BC aumenta os juros para frear a demanda e reduzir o nível de preços.

Os juros deverão cobrir a inflação e compensar pelo risco tomado ao emprestar para o governo. Porém, para que esse instrumento funcione com maior precisão, é necessário que as demais taxas de juros da economia e a demanda estejam atreladas à taxa básica. Quando o Banco Central sobe os juros e o BNDES continua a emprestar com juros subsidiados ou o governo incentiva a demanda via déficits públicos, a efetividade dos juros no combate à inflação é reduzida.

Assim, para trazer a inflação para a meta, a dose de juros tem de ser maior. Como o mandato legal do Banco Central é trazer a inflação para a meta e seu instrumento é a taxa de juros, o BC eleva ainda mais a famosa Selic. Se os demais fatores ajudassem (a nossa lição de casa a ser feita), nem os juros nem a inflação seriam tão altos. A opção é clara: ou adotamos leis mais rígidas para um orçamento mais controlado e para que o governo respeite as regras fiscais, ou conviveremos com a dupla dinâmica: inflação alta e juros altos – e todas as suas consequências. 

Fonte: Leonardo Palhuca é Mestre em Economia pela Albert-Ludwigs-Universitäat Freiburg e colaborador do site Terraço Econômico.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

O Banco Central está “suicidando” o Brasil

Sob o argumento de “controlar a inflação”, o Banco Central do Brasil tem aplicado uma política monetária fundada em dois pilares: adoção de juros elevados e redução da base monetária, que corresponde ao volume de moeda em circulação. Na prática, tais instrumentos têm se mostrado um completo fracasso.

Além de não controlar a inflação, os juros elevados têm afetado negativamente não só a economia pública – provocando o crescimento exponencial da dívida pública, que exige crescentes cortes em investimentos essenciais –, mas também têm afetado negativamente a indústria, o comércio e a geração de empregos. Por sua vez, a redução da base monetária utiliza mecanismos que enxugam cerca de R$ 1 trilhão dos bancos, instituindo cenário de profunda escassez de recursos, o que acirra a elevação das taxas de juros de mercado e empurra o país para uma profunda crise socioeconômica.

Segundo o famoso economista inglês Thomas Piketty, seria um suicídio deixar de utilizar, em momentos de crise, o instrumento de emissão de moeda e a prática de juros baixos. No Brasil, o Banco Central tem feito o contrário e, adicionalmente, ainda alimenta o mercado com ração muito cara: operações de swap cambial que têm gerado centenas de bilhões de reais de prejuízos que são pagos à custa de emissão de mais títulos da dívida pública!

Até quando nosso rico país, marcado pela abundância em todos os aspectos, ficará submetido aos que usufruem e abusam do cenário de escassez?

O Banco Central pratica uma política suicida, como escreveu Piketty em É possível salvar a Europa?: “O poder infinito de criação monetária, detido pelos bancos centrais, sem dúvida deve ser seriamente limitado. Entretanto, diante de grandes crises, abrir mão de tal instrumento e do papel essencial de credor de última instância seria um suicídio”. Essa afirmação de Piketty decorre de observação baseada em fatos também expostos em seu livro, e que merecem ser destacados: “Os Estados Unidos, o Reino Unido e o Japão estão mais endividados ainda (com respectivamente 100%, 80% e 200% do PIB em dívida pública, contra 80% na zona do euro), mas não conhecem a crise da dívida. E por uma razão muito simples: o Federal Reserve americano, o Banco da Inglaterra e o Banco do Japão emprestam a seus respectivos governos a taxas baixas – menos de 2% –, o que permite acalmar os mercados e estabilizar suas taxas de juros. Em comparação, o Banco Central Europeu (BCE) emprestou muito pouco aos Estados da zona do euro, daí a crise”. Diante disso, alguém poderia avisar a Alexandre Tombini e cia. que a política monetária adotada por eles está “suicidando” o Brasil?

O Banco Central, administrado por Tombini, não só abriu mão do instrumento de emitir moeda como tem enxugado todo e qualquer volume de moeda que ultrapassa os míseros 5% do PIB. Na última semana de 2015, quando o Tesouro Nacional efetuou o pagamento das chamadas “pedaladas fiscais” e injetou dezenas de bilhões de reais no sistema bancário, o que fez o Banco Central? Retirou mais de R$ 40 bilhões de circulação, enxugando esse volume de moeda dos bancos e entregando-lhes títulos da dívida pública, pelos quais se pagam as mais altas taxas de juros do mundo! Esse tipo de operação é chamado de “compromissada ” ou “de mercado aberto”, e atinge volume escandaloso de aproximadamente R$ 1 trilhão! E mais: os juros dessas operações são pagos em dinheiro vivo, obtido por meio do rigoroso ajuste fiscal que vem exigindo aumento de tributos sobre a classe trabalhadora e os mais pobres, além de cortes de investimentos essenciais em todas as áreas orçamentárias – exceto a financeira, que abastece os bancos nacionais e estrangeiros.

O resultado dessa operação é extremamente danoso ao país, pois provoca aumento da dívida pública sem contrapartida alguma, gerando obrigação de pagar elevados juros além de esterilizar recursos no Banco Central e amarrar o país. A título de exemplo, esses R$ 40 bilhões enxugados pelo Banco Central recentemente poderiam estar sendo empregados para solucionar as crises da saúde, da educação, da assistência social, das estradas assassinas..., mas foram retidos, somando-se a quase R$ 1 trilhão estocado e regiamente remunerado!

Mas o dano de tal operação não para por aí. À medida que o Banco Central retira a moeda dos bancos e lhes entrega títulos da dívida pública, ele não só esteriliza os recursos que deveriam irrigar a economia nacional, mas impede que os bancos reduzam as taxas de juros cobradas da população e de empresas. Imaginem o que significaria para o país esse volume de quase R$ 1 trilhão no caixa dos bancos. Evidentemente, eles não deixariam esse dinheiro parado, sem render. O óbvio seria destinar esses recursos para empréstimos à sociedade, aumentando a oferta, o que sem sombra de dúvida provocaria uma forte queda nas taxas de juros. Os bancos entrariam em competição para oferecer taxas menores a pessoas e empresas, o que levaria a uma redução ainda maior nas escorchantes taxas cobradas pelo setor financeiro no Brasil, que chegaram a 415% ao ano em 2015, com anúncio de que vão subir ainda mais em 2016 ! Mas a atuação do Banco Central impede que os bancos fiquem pressionados pela sobra de caixa e tenham de baixar os juros. Ao contrário: garante-lhes generosa e segura remuneração, trocando a sobra de caixa por títulos da dívida pública, sem risco algum.

A justificativa que tem sido dada para essa atuação é o “combate à inflação”, o que não se aplica, pois o tipo de inflação que temos no Brasil decorre do abusivo aumento de preços administrados e alimentos: temos a energia mais cara do mundo, a telefonia mais cara do mundo e a gasolina mais cara do mundo; tarifas de transporte público e bancárias exorbitantes, e o preço de alguns alimentos tem impactado na inflação devido à sazonalidade e aos históricos equívocos da política agrícola nacional, que privilegia investimento no agronegócio voltado à exportação de commodities e não à produção de alimentos. Em nenhum desses casos o aumento de juros ou a redução da base monetária exerce qualquer influência.
A política adotada pelo Banco Central, com a desculpa de controlar a inflação, tem se mostrado fracassada e lesiva ao país e à sociedade
As operações “compromissadas” ou “de mercado aberto” têm efeito contrário ao indicado por Piketty. Cabe ressaltar que nos países onde bancos centrais agiram em favor das finanças nacionais, irrigaram as economias com moeda e estabilizaram as taxas de juros, emprestando a seus respectivos governos a taxas baixas (2% ao ano ou até menos), a crise tem sido controlada. É o caso dos Estados Unidos, do Reino Unido e do Japão, onde a base monetária – que corresponde ao volume de moeda em circulação no país – alcança 40%! No Brasil, além de manter a base monetária ridiculamente baixa (em torno de apenas 5% do PIB), o Banco Central incentiva a prática das taxas de juros mais elevadas do planeta Terra – a taxa básica está atualmente em 14,25%, mas o Banco Central tem leiloado títulos a taxas bem superiores, que ultrapassam 16% – e anuncia que deverá subir ainda mais em 2016.

Vivemos uma verdadeira ciranda financeira no Brasil. Em um dos países mais ricos do mundo faltam recursos para áreas essenciais, como educação, saúde, saneamento básico e infraestrutura, mas não faltam recursos para os abundantes juros que tornam o país o local mais lucrativo do mundo para os bancos, mas asfixiam a indústria, o comércio e, logicamente, extinguem empregos e aprofundam injustiças.

Nada de discussão se existem recursos orçamentários para pagar os elevados juros incidentes sobre os títulos da dívida pública, nem sequer preocupação acerca de onde virão os recursos. As limitações da Lei de Responsabilidade Fiscal não se aplicam à “política monetária”. Ou seja, se os recursos existentes no orçamento federal não são suficientes para pagar juros, são emitidos novos títulos da dívida e esses são utilizados para pagar juros. Isso mesmo: estamos emitindo títulos para pagar grande parte dos juros nominais incidentes sobre a dívida pública, o que fere o artigo 167 da Constituição Federal, que proíbe a contratação de dívida para pagar despesas correntes. E juros são despesas correntes, como salários, despesas de manutenção e demais despesas de custeio que se consomem durante o ano e não se caracterizam como investimentos. E, se a política monetária gera prejuízo para o Banco Central, tal prejuízo é transferido para o Tesouro Nacional e gera a emissão de mais dívida ainda, como o escandaloso prejuízo de R$ 147,7 bilhões em 2009, por exemplo.

Além dessa inaceitável aberração, o Banco Central tem acumulado prejuízos bilionários em questionáveis operações de swap cambial: no período de setembro de 2014 a setembro de 2015, os resultados negativos somaram R$ 207 bilhões. Nesse caso do swap cambial, o Banco Central entende que deve atuar para conter a procura por dólares, alegando que ela poderia provocar inflação. Assim, oferece contratos de swap cambial que, na prática, correspondem à garantia da variação da cotação do dólar. A perda bilionária tem sido transferida para a conta dos juros da dívida e, consequentemente, para o seu estoque, já que os juros têm sido pagos mediante a emissão de nova dívida. Os bancos privados lucram e o país registra a dívida, apesar de não ter recebido nem um centavo sequer.

Não há a menor transparência acerca de quem são os beneficiários dessas operações de swap cambial ou as de mercado aberto. Operações feitas por instituição pública, com dinheiro público, produzindo centenas de bilhões de prejuízos que são arcados pelo público, mas os beneficiários e as condições contratadas são “sigilosas”...

É evidente que a política monetária adotada pelo Banco Central, com a desculpa de controlar a inflação, tem se mostrado completamente fracassada e lesiva ao país e à sociedade, pois a prática de juros altos não tem controlado a inflação, que já atinge dois dígitos, mas tem provocado dano irreparável às finanças públicas, à indústria nacional, ao comércio e às pessoas que dependem de crédito. Além disso, as operações de mercado aberto não têm servido para controlar a inflação, mas têm provocado insana redução da base monetária, garantindo exagerada remuneração aos bancos, incentivando a elevação das taxas de juro de mercado com impactos danosos às finanças públicas, à indústria nacional, ao comércio e às pessoas que dependem de crédito.

As operações de swap cambial também não têm servido para controlar a elevação do dólar e da inflação, prestando-se a gerar prejuízos de centenas de bilhões de reais que têm sido transferidos para o conjunto da sociedade por meio da dívida pública, que em seguida exige rigoroso ajuste fiscal para o pagamento de seus elevados juros e encargos. E, por fim, os principais pilares da política monetária – juros elevados e redução da base monetária – têm provocado aumento acelerado da dívida pública e exigido elevado volume de recursos para o pagamento de seu serviço, comprometendo as finanças públicas atuais e as gerações futuras.

Tudo isso ocorre devido à atuação do Banco Central, a serviço do setor financeiro nacional e internacional, subserviente à influência dos bancos e organismos internacionais – FMI e Banco Mundial – que querem ainda mais: exigem mandato para diretores do Banco Central, como uma política monetária objetiva, independente do governo. Querem tornar eterna, imutável e definitiva essa política monetária que “suicida” o Brasil e transfere vultosos recursos para o setor financeiro privado, garantindo-lhes lucros escorchantes e crescentes, saindo de quase R$ 10 bilhões em 2000 para cerca de R$ 80 bilhões em 2014 – e em 2015, apesar da crise, o lucro dos bancos bateu novos recordes!

Enquanto os bancos lucram assim, todos nós pagamos a estratosférica conta da elevada carga tributária sem o devido retorno, entregamos continuamente patrimônio público estratégico, além de conviver com as inaceitáveis injustiças sociais vigentes em nosso potencialmente rico país.

Até quando nosso rico país, marcado pela abundância em todos os aspectos, ficará submetido aos que usufruem e abusam do cenário de escassez? Até quando o Banco Central ficará à vontade para transferir centenas de bilhões de prejuízos para todos nós, enquanto garante os maiores ganhos do mundo para os bancos privados?

Maria Lucia Fattorelli é coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida.

Enquanto houver Democracia, o Judiciário é a esperança

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