quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Quem é esse povo?

Na teoria política e constitucional, povo  não tem forma conceitual descritiva, mas um viés de natureza operacional. Termo que não define uma realidade social precisa no espectro sociológi

co. Apenas vislumbra a possibilidade de encontrar um ser para o qual designam-se tarefas com a falsa face de atribuições prerrogativas, e [ou] responsabilidades coletivas no campo político-jurídico.

A noção de povo, como conhecida e utilizada na antiguidade clássica, numa vertente teórica da política e do direito publico, também não possuia a relevante importância que veio a adquirir no século XVIII, com a decisiva ideia de democracia, o que fez com que se fortalecesse a essência da questão fundamental desse regime político. Logo, o poder supremo pertence ao povo, portanto,  operacionalizada  uma conceituação possível e questionável,  garantidora de uma soberania democrática da qual ele é o sujeito. 

As Constituições Democráticas falam, com toda a frequência, em povo, como maneira de se justificarem enquanto instrumentos e mecânica de forma do poder, o que fornece-lhes  a legitimação mais aproximada do plausível.

Afora desse contexto científico, político, jurídico e de reflexo sociológico é possível se encaminhar uma conceituação objetiva no sentido de se identificar Quem é esse povo?

Será ele o titular dos direitos eleitorais ativos e passivos? São aqueles que formam um coletivo e vivem em solo pátrio, titulares de direitos de nacionalidade?

Verdadeiramente, povo não se conceitua com a simples facilidades das coisas comuns, pois, exige axioma artificial, valorativo e composto, a considerar-se as 'limpezas étnicas' sempre em voga e desejadas pelos plantonistas e donos do poder, que o manipula ou o cria à força dos interesses dominantes para uma existência e legitimidade ilusórias, estas devidamente confirmadas pelo fenômeno da exclusão de expressivos segmentos de uma população extraída desse povo (?).

Rousseau, o democrata incondicional, adiantava-se ao sugerir que, mesmo um autogoverno, haveria de necessitar do "povo de deuses", não admitindo o povo dos homens  ou o povo humano, tão somente, para prover a legitimidade da dominação, que é um fenômeno oligárquico, e a população não faz parte desse oligopólio, uma vez que, mesmo implementadas medidas de garantias dos direitos fundamentais, e direitos eleitorais como significação da igualdade perante a lei, o povo não é elevado a uma condição de ser  sujeito do governo.

Afinal, nós é que somos o povo? Ativo, instância de legitimação planetária e destinatário de  prestações civilizatórias do Estado, com a permanente perspectiva de valoração da democracia institucional, facilitando o processo de democratização da sociedade?

Ficamos com Jean-Paul Sartre, 'na verdade o povo está por ser criado', pois, o homem e suas reais formas de vida em comunidade ainda não foram definidas para todo o sempre. Os dados fornecidos pelo tempo são brutos se confrontados com as exigências políticas e normativas traçadas em níveis das Constituições democráticas, porque elas padronizam enfaticamente os conceitos materiais de povo, inclusive, na tentativa de diferenciar nação e povo e o homem do cidadão.

O povo, até que outro o substitua, é o da praça, como afirmou o Poeta. Porque "A praça é do povo, como o céu é do Condor". E nesse milenar espaço público, o povo se reinventa a todo instante no caldo de cultura, onde se junta sempre, mesmo que incomodado com os ladrões de sapatos de cobras.

Petrônio Alves

Advogado e Jornalista 

* Foto   Joca Freire.

 


Enquanto houver Democracia, o Judiciário é a esperança

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