Breve análise
jurídica e social do Programa Bolsa Família
Publicado por Mariana
Longo
1. Introdução
O presente artigo tem como escopo uma breve análise
do Programa Bolsa Família, uma das Políticas Públicas assistencialistas implementadas pelo
Governo com a finalidade de colocar fim à pobreza e a extrema pobreza da população
brasileira.
Nesse passo, são verificados os embasamentos
constitucionais que deram ensejo à criação dessa Política Pública e a
respaldam, bem como apresenta seu conceito e objetivos pretendidos através da
implementação desse Programa.
Como não poderia deixar de ser, o presente trabalho
acadêmico também realiza uma breve verificação da lei que institui o Bolsa Família.
bem como demonstra sua interdisciplinaridade com demais leis e, também,
normas administrativas, a fim de concretizar os objetivos pretendidos pelo
programa ora estudado.
Outrossim, são apresentados, ao final, apontamentos
relevantes que devem ser observados quando da discussão acerca do tema
Políticas Públicas, em especial, o Programa Bolsa Família.
2. O Programa Bolsa Família e a Constituição
O início do século XX, no que tange a história da
humanidade, pode ser considerado como um divisor de águas. Com acontecimentos
como a Primeira Guerra Mundial e a Revolução Industrial, houve uma alteração
sensível no modo dos indivíduos de enxergarem seu lugar no mundo.
Reflexo disso é a Constituição
Mexicana, promulgada em 1917, e a Constituição
de Weimar, promulgada na Alemanha em 1919, consideradas como constituições
contemporâneas. Tais constituições passaram a integrar os direitos fundamentais
e sociais com o escopo de trazer segurança jurídica aos seus cidadãos e a
promover sociedades menos desiguais.
A atual Constituição
Federal de 1988 foi amplamente inspirada pelas constituições acima citadas
e é considerada como um marco dos direitos sociais no Brasil, apresentando
conceitos e garantias inovadores no âmbito de proteção àqueles mais
desfavorecidos pelo sistema econômico vigente no país, buscando desconstruir
desigualdade entre seus indivíduos, fruto de sua herança cultural.
A Carta Magna,
a fim de rechaçar a o prévio Governo ditatorial, adotou de maneira expressa a
garantia aos direitos sociais e individuais como valores determinantes para a
erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais, assim, e realizar a
construção de uma sociedade livre, justa e solidária[1]. Dentre os princípios
fundamentais previstos na Lei Maior, o mais relevante é o direito à dignidade
da pessoa humana. Tal direito é verificado logo em seu primeiro artigo:
Art. 1º A República Federativa do
Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III - a dignidade da pessoa humana; (grifou-se)
Veja que, ao afirmar que a dignidade da pessoa
humana trata-se um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, é de
simples interpretação que todos os indivíduos que fazem parte dessa República
devem ter sua dignidade resguardada pelo próprio Estado. Ou seja, não se trata
do Estado garantir que seus indivíduos estejam vivos, mas deve garantir também
uma vida digna, que tenham os direitos seus direitos constitucionais
respeitados e que possuam meios de poder cumprir com seus deveres e obrigações,
também previstos em leis.
Não obstante, em seu artigo 3º, estão previstos os
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, dentre eles a
erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades
sociais e regionais:
Art. 3º Constituem objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil:
(...).
III - erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; (grifou-se).
O Estado, dessa forma, expressamente estabelece
como sua responsabilidade e dever eliminar a pobreza e marginalização, bem como
diminuir as desigualdades regionais.
Ainda, em seu artigo 6º apresenta um rol de direitos
sociais que devem ser assegurados à população:
Art. 6º São direitos sociais a
educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança,
a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição.
Não obstante, a redução das desigualdades sociais e
regionais e sociais são novamente reasseguradas pelo art. 170 da Constituição,
que visa uma existência digna através da ordem econômica e financeira:
Art. 170. A ordem econômica, fundada
na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios:
(...)
VII - redução das desigualdades
regionais e sociais; (...) (grifou-se)
E, por fim, o artigo 227 que atribui, também, ao
Estado, a família e à própria sociedade dever de assegurar à criança e ao
adolescentes diversos direitos:
Art. 227. É dever da família, da
sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação,
ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a
salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão. (grifou-se).
Importante ressaltar que proteção a tais direitos e
liberdades fundamentais está prevista no inciso XLI do artigo 5º, que
expressamente determina a punição, através de lei, de qualquer tipo de
discriminação:
Art. 5º (...)
XLI - a lei punirá qualquer discriminação
atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
É evidente que, para a implementação de tais
direitos e garantias, o Estado de vale de mecanismos passíveis de
viabilizá-los, responsáveis por organizar o Estado para que esse possa promover
os direitos e garantias acima citados.
Esses mecanismos são chamados de Políticas
Públicas. Dentre tais Políticas há o Programa Bolsa Família, um programa estabelecido por lei
infraconstitucional que se respalda nos artigos supracitados e visa a
diminuição da miséria através da transferência de renda para aqueles que se
encaixam nos requisitos presentes na lei, ou seja, as instituições familiares
de qualquer tipo que se encontram na linha da pobreza, ou, como a própria lei
determina, aqueles que estão em situação de extrema pobreza.
3. Legislação e
Normas Gerais
O referido Programa foi criado pela Lei n.º 10.836, de 09 de janeiro de
2004. Para discipliná-la foi emitido o Decreto n.º 5.209, de 17 de setembro
de 2004, a fim de regular a Lei 10.836 /204 e demais
disposições complementares a serem estabelecidas na lei de criação do programa.
Ressalta-se, no entanto que, o Programa Bolsa Família, já vinha sendo
realizado através da Medida Provisória nº 132, de 20 de outubro de 2003, tendo
tal medida provisória sido convertida em lei (10.836/2004), observados os
requisitos constitucionais, ampliando o Bolsa Família e o integrando
aos demais programas sociais criados pelo Governo.
O Ministério responsável pelo desenvolvimento e
fiscalização desse Programa, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome (“MDS”), divulgou diversas Instruções Normativas (“IN”), dentre elas a IN
no 1, de 20 de maio de 2005. Tal instrução normativa orienta os Municípios,
Estados e o Distrito Federal para a constituição
de instância de controle social do Bolsa Família e para o
desenvolvimento de suas atividades.
Apenas em 2011 foram editadas novas instruções
normativas, mas tratam de questões técnicas e operacionais do Programa. São as
IN nº 1, 2, 3 e 4.
Outrossim, consta no sítio eletrônico do MDS
diversas Instruções Operacionais, lançadas pelas variadas secretarias
integrantes, objetivando melhor funcionamento do Programa e especificando
certas tecnicidades.
Para questões internas de seus servidores e
funcionários, o Ministério e a secretaria possuem portarias publicadas
estabelecendo maior transparência do Bolsa Família.
4. Conceito e Ciclo
do Programa
Bolsa Família
Como já citado, o Programa Bolsa Família se
trata de uma Política Pública de cunho assistencialista, que visa à erradicação
da pobreza e da extrema pobreza, parcialmente atendendo à nossa Constituição,
pois a Carta Magna,
em seu corpo, determina o fim da pobreza e da marginalização, bem como a
redução das desigualdades sociais, dentre outros direitos.
Nesse passo, tal programa, sozinho, não satisfaz in
tottum o dever do Estado, pois tem como escopo o auxílio às famílias que se
encontram na linha limítrofe ou abaixo da linha da pobreza, e,
consequentemente, têm sua dignidade humana comprometida pela falta de condições
de suprir as necessidades básicas de seus membros.
Segundo a Lei 10.896/04, o Bolsa Família trata-se
programa de transferência direta de renda, que beneficia famílias em situação
de pobreza (com renda mensal por pessoa de R$ 70 a R$ 140) e extrema pobreza
(com renda mensal por pessoa de até R$ 70).
Tem por finalidade a unificação dos procedimentos
de gestão e execução das ações de transferência de renda do Governo Federal,
integrando diversas outras Políticas Públicas assistencialistas, sendo elas o Programa Nacional de Renda
Minima, vinculado à Educação - Bolsa Escola, o Programa Nacional de Acesso
à Alimentação - PNAA, o Programa Nacional de Renda
Minima, vinculada à Saúde - Bolsa Alimentação, o Programa Auxílio-Gás e o
Cadastramento Único do Governo Federal[2].
De acordo com informações prestadas pelo próprio
MDS, em sua página oficial, o referido programa é pautado em três dimensões,
consideradas pelo Governo atual como essenciais à superação da fome e da
pobreza.
Seu ciclo, portanto, se baseia na promoção do
alívio imediato da pobreza, por meio da transferência direta de renda à
família, no reforço ao exercício de direitos sociais básicos nas áreas de Saúde
e Educação, por meio do cumprimento das condicionalidades e, também, na
coordenação de programas complementares, que têm por objetivo o desenvolvimento
das famílias, de modo que os beneficiários do Bolsa Família consigam
superar a situação de vulnerabilidade e pobreza.
O Programa em questão busca garantir que o
indivíduo tenha acesso à seus direitos básicos, não se tratando de mera
transferência de valores. Trata-se de um programa que busca se integrar à
Educação e à Saúde, além da mera distribuição de valores àqueles que estão em
conformidade com as condicionantes estabelecidas para recebimento de renda
extra, garantindo-lhes o necessário para o mínimo de dignidade.
5. Conclusão
O Programa Bolsa Família trata-se
de um grande avanço no que tange ao desenvolvimento da sociedade brasileira. Em
especial, quando se leva em consideração a herança cultural escravagista e
elitista que o Brasil possui.
Em um país em que a grande maioria da população
vive na linha limítrofe da pobreza e extrema pobreza, e a distribuição de
riquezas do país é de uma discrepância sem igual, a implantação de um Programa
que beneficia os pobres e que não pode ser barrado pela elite é louvável.
É evidente que apenas o Programa Bolsa Família não
vai reduzir efetivamente as desigualdades sociais no Brasil, tampouco vai
erradicar a pobreza extrema. É necessário a implementação de outras Políticas
Públicas que devem se integrar àquelas já existentes e que essas sejam
divulgadas amplamente àqueles que necessitam.
Em paralelo, à publicidade de tais Políticas,
faz-se necessário esclarecimento àqueles que não se beneficiam delas para que
percebam que é dever do Estado garantir uma vida digna a todos seus cidadãos e
que é direito dos beneficiados essa dignidade que poucos gozam no Brasil.
O Bolsa Família trata-se de
um programa amplo que, sem dúvidas, beneficia milhões de famílias,
proporcionando-lhes uma vida digna, reduzindo a condição de miséria e
garantindo-lhes seus direitos básicos, como, por exemplo, a alimentação.
A criação manutenção do Programa Bolsa Família é um
grande avanço para a sociedade brasileira, mesmo havendo manifesta oposição da
elite e da classe média, o programa proporcionou para uma grande massa da
população uma porta de saída da linha da pobreza.
Óbvio que o sistema é sujeito a falhas ou fraudes e
pode ser corrompido por pessoas de má-fé, movidas pela ganância, assim como
qualquer outro sistema, independente do viés político.
É inegável que a grande maioria da população
brasileira é pobre e que o poder e os recursos são concentrados nas mãos da
elite, nesse passo, o Programa Bolsa Família visa
combater essa desigualdade, a fim de garantir o que a Constituição
Federal de 1988 resguarda a todos seus indivíduos, independentemente de
cor, etnia, sexo, condição social. Ou seja, o Bolsa Família é uma
Política Pública assistencialista, que independentemente do partido político
que o criou sob qualquer objetivo supérfluo ou não, obteve sucesso. Outrossim,
o Estado não está fazendo favor a ninguém em distribuir a renda, está cumprindo
um dever que a própria Constituição
garante, e, bem ou mal, de acordo com estudos publicados no sítio do
Ministério, vem cumprindo com o seus objetivos.
6. Bibliografia
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito
Constitucional. 2.ª edição, revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2008; e Sítio
eletrônico do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia.
[1] Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre,
justa e solidária; (...)
[2] Art. 1o Fica criado, no âmbito da Presidência
da República, o Programa Bolsa Família,
destinado às ações de transferência de renda com condicionalidades.
Parágrafo único. O Programa de que trata o caput
tem por finalidade a unificação dos procedimentos de gestão e execução das
ações de transferência de renda do Governo Federal, especialmente as do Programa Nacional de Renda
Minima vinculado à Educação - Bolsa Escola, instituído pela Lei nº 10.219,
de 11 de abril de 2001, do Programa Nacional de Acesso à Alimentação - PNAA,
criado pela Lei n o 10.689, de 13 de junho de 2003, do Programa Nacional de Renda
Minima vinculada à Saúde - Bolsa Alimentação, instituído pela Medida
Provisória n o 2.206-1, de
6 de setembro de 2001, do Programa Auxílio-Gás, instituído pelo Decreto nº 4.102, de 24 de janeiro
de 2002, e do Cadastramento Único do Governo Federal, instituído pelo Decreto
nº 3.877, de 24 de julho de
2001.
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