Luiz Fux:
“Querem me sacanear. O pau vai cantar!”
O ministro
Luiz Fux, 59, diz que desde 1983, quando, aprovado em concurso, foi juiz de
Niterói (RJ), passou a sonhar com o dia em que se sentaria em uma das onze
cadeiras do Supremo Tribunal Federal (STF).
Quase trinta
anos depois, em 2010, ele saía em campanha pelo Brasil para convencer o então
presidente Lula a indicá-lo à corte.
Fux era
ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça), o penúltimo degrau na carreira
da magistratura. “Estava nessa luta” para o STF desde 2004 –sempre que surgia
uma vaga, ele se colocava. E acabava preterido. “Bati na trave três vezes”, diz
AVAL
Naquele
último ano de governo Lula, era tudo ou nada.
Fux “grudou”
em Delfim Netto. Pediu carta de apoio a João Pedro Stedile, do MST. Contou com
a ajuda de Antônio Palocci. Pediu uma força ao governador do Rio, Sergio
Cabral. Buscou empresários.
E se reuniu
com José Dirceu, o mais célebre réu do mensalão. “Eu fui a várias pessoas de
SP, à Fiesp. Numa dessas idas, alguém me levou ao Zé Dirceu porque ele era
influente no governo Lula.”
O ministro
diz não se lembrar quem era o “alguém” que o apresentou ao petista.
Fux diz que,
na época, não achou incompatível levar currículo ao réu de processo que ele
poderia no futuro julgar. Apesar da superexposição de Dirceu na mídia, afirma
que nem se lembrou de sua condição de “mensaleiro”.
“Eu confesso
a você que naquele momento eu não me lembrei”, diz o magistrado. “Porque a
pessoa, até ser julgada, ela é inocente.”
Conversaram
uma só vez, e por 15 minutos, segundo Fux. Conversaram mais de uma vez, segundo
Dirceu.
A equipe do
petista, em resposta a questionamento da Folha, afirmou por e-mail: “A
assessoria de José Dirceu confirma que o ex-ministro participou de encontros
com Luiz Fux, sempre a pedido do então ministro do STJ”.
Foram
reuniões discretas e reservadas.
CURRÍCULO
Para Dirceu,
também era a hora do tudo ou nada.
Ele
aguardava o julgamento do mensalão. O ministro a ser indicado para o STF, nos
estertores do governo Lula, poderia ser o voto chave da tão sonhada absolvição.
A escolha
era crucial.
Fux diz que,
no encontro com Dirceu, nada disso foi tratado. Ele fez o seguinte relato à
Folha:
Luiz Fux –
Eu levei o meu currículo e pedi que ele [Dirceu] levasse ao Lula. Só isso.
Folha – Ele
não falou nada [do mensalão]?
Ele falou da
vida dele, que tava se sentindo… em outros processos a que respondia…
Tipo
perseguido?
É, um
perseguido e tal. E eu disse: “Não, se isso o que você está dizendo [que é
inocente] tem procedência, você vai um dia se erguer”. Uma palavra, assim, de
conforto, que você fala para uma pessoa que está se lamentando.
MATO NO
PEITO
Dirceu e
outros réus tiveram entendimento diferente. Passaram a acreditar que Fux
votaria com eles.
Uma
expressão usual do ministro, “mato no peito”, foi interpretada como promessa de
que ele os absolveria.
Fux nega ter
dado qualquer garantia aos mensaleiros.
Ele diz que,
já no governo Dilma Rousseff, no começo de 2011, ainda em campanha para o STF
(Lula acabou deixando a escolha para a sucessora), levou seu currículo ao
ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Na conversa, pode ter dito “mato no
peito”.
Folha –
Cardozo não perguntou sobre o mensalão?
Não. Ele
perguntou como era o meu perfil. Havia causas importantes no Supremo para
desempatar: a Ficha Limpa, [a extradição de Cesare] Battisti. Aí eu disse:
“Bom, eu sou juiz de carreira, eu mato no peito”. Em casos difíceis, juiz de
carreira mata no peito porque tem experiência.
Em 2010,
ainda no governo Lula, quando a disputa para o STF atingia temperatura máxima,
Fux também teve encontros com Evanise Santos, mulher de Dirceu.
Em alguns
deles estava o advogado Jackson Uchôa Vianna, do Rio, um dos melhores amigos do
magistrado.
Evanise é
diretora do jornal “Brasil Econômico”. Os dois combinaram entrevista “de cinco
páginas” do ministro à publicação.
Evanise
passou a torcer pela indicação de Fux.
Em Brasília,
outro réu do mensalão, o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), articulava apoio
para Fux na bancada do PT.
A
movimentação é até hoje um tabu no partido. O deputado Cândido Vacarezza
(PT-SP) é um dos poucos que falam do assunto.
Vacarezza –
Quem primeiro me procurou foi o deputado Paulo Maluf. Eu era líder do governo
Lula. O Maluf estava defendendo a indicação e me chamou no gabinete dele para
apresentar o Luiz Fux. Tivemos uma conversa bastante positiva. Eu tinha
inclinação por outro candidato [ao STF]. Mas eu ouvi com atenção e achei as
teses dele interessantes.
Folha – E o
senhor esteve também na casa do ministro Fux com João Paulo Cunha?
Eu confirmo.
João Paulo me ligou dizendo que era um café da manhã muito importante e queria
que eu fosse. Eu não te procurei para contar. Mas você tem a informação, não
vou te tirar da notícia.
O mensalão
foi abordado?
Não vou
confirmar nem vou negar as informações que você tem. Mas eu participei de uma
reunião que me parecia fechada. Tinha um empresário, tinha o João Paulo. Sobre
os assuntos discutidos, eu preferia não falar.
Fux confirma
a reunião. Mas diz que ela ocorreu depois que ele já tinha sido escolhido para
o STF. Os petistas teriam ido cumprimentá-lo.
Na época,
Cunha presidia comissão na Câmara por onde tramitaria o novo Código de Processo
Civil, que Fux ajudou a elaborar.
Sobre Maluf,
diz o magistrado: “Eu nunca nem vi esse homem”. Maluf, avisado do tema, disse
que estava ocupado e não atendeu mais às chamadas da Folha. Ele é réu em três
processos no STF.
CHORO
No dia em
que sites começaram a noticiar que ele tinha sido indicado por Dilma para o
STF, “vencendo” candidatos fortes como os ministros César Asfor Rocha e Teori
Zavascki, também do STJ, Fux sofreu, rezou, chorou.
Luiz Fux – A
notícia saiu tipo 11h. Mas eu não tinha sido comunicado de nada. E comecei a
entrar numa sensação de que estavam me fritando. Até falei para o meu motorista:
“Meu Deus do céu, eu acho que essa eu perdi. Não é possível”. De repente, toca
o telefone. Era o José Eduardo Cardoso. Aí eu, com aquela ansiedade, falei:
“Bendita ligação!”. Ele pediu que eu fosse ao seu gabinete.
No
Ministério da Justiça, ficou na sala de espera.
Luiz Fux –
Aí eu passei meia hora rezando tudo o que eu sei de reza possível e imaginável.
Quando ele [Cardozo] abriu a porta, falou: “Você não vai me dar um abraço? Você
é o próximo ministro do Supremo Tribunal Federal”. Foi aí que eu chorei.
Extravasei.
De fevereiro
de 2011, quando foi indicado, a agosto de 2012, quando começou o julgamento do
mensalão, Fux passou um período tranquilo. Assim que o processo começou a ser
votado, no entanto, o clima mudou.
Para
surpresa dos réus, em especial de Dirceu e João Paulo Cunha, ele foi
implacável. Seguiu Joaquim Barbosa, relator do caso e considerado o mais
rigoroso ministro do STF, em cada condenação.
Foi o único
magistrado a fazer de seus votos um espelho dos votos de Barbosa. Divergiu dele
só uma vez.
Quanto mais
Fux seguia Barbosa, mais o fato de ter se reunido com réus antes do julgamento
se espalhava no PT e na comunidade jurídica.
Advogados de
SP, Rio e Brasília passaram a comentar o fato com jornalistas.
A raiva dos
condenados, e até de Dilma, em relação a Fux chegou às páginas dos jornais, em
forma de notas cifradas em colunas – inclusive da Folha.
Pelo menos
seis ministros do STF já ouviram falar do assunto. E comentaram com terceiros.
Fux passou a
ficar incomodado. Conversou com José Sarney, presidente do Senado. “Sei que a
Dilma está chateada comigo, mas eu não prometi nada.” Ele confirma.
Na posse de
Joaquim Barbosa, pouco antes de tocar guitarra, abordou o ex-deputado
Sigmaringa Seixas, amigo pessoal de Lula. Cobrou dele o fato de estarem
“espalhando” que prometera absolver os mensaleiros.
Ao perceber
que a Folha presenciava a cena, puxou a repórter para um canto. “Querem me
sacanear. O pau vai cantar!”, disse. Questionado se daria declarações oficiais,
não respondeu.
Dias depois,
um emissário de Fux procurou a Folha para agendar uma entrevista.
“Pensei que
não tinha provas; li o processo do mensalão e fiquei estarrecido”, diz Fux
Sentado num
sofá de couro preto na sala de sua casa, em Brasília, na terça passada, o
ministro Luiz Fux ainda estava sob o efeito da repercussão da posse de Joaquim
Barbosa, na semana anterior.
Ele roubou a
cena ao fazer um discurso de mais de 50 minutos repleto de agradecimentos e
elogios à presidente Dilma Rousseff.
Mais tarde,
na festa, tocou guitarra para homenagear o novo presidente do Supremo.
Fux já tocou
em banda. Em 2011, compôs uma canção. “Fala das virtudes das mulheres. O
Michael Sullivan musicou e vai colocá-la em seu novo CD”. O título: “Ela”. O
refrão: “Capaz de ir ao céu por uma estrela/Que ilumina e brilha o ser amado”.
“O Fagner
também quer fazer uma versão. E a gente ainda tem a ambição de levar para o
Roberto Carlos ver.”
O ministro
pede para a cozinheira, dona Lourdes, trazer uma bandeja com refrigerantes. Só
diet.
Fux é
vaidoso, e assume. “Já fiz implante capilar.” Pensa em fazer cirurgia para
retirar as bolsas embaixo dos olhos. E só. “Plástica em rosto de homem fica
horrível.”
Corre 4 km
por dia. Faz ginástica. Luta jiu-jitsu. Toma suco verde “todo dia, que te deixa
sempre rejuvenescido”. E guaraná em pó “numa fórmula que eu inventei, com
Targifor C. Tomo ácido linoleico também, porque aí você corre, perde mais
fluido, transpira, entendeu?”.
“Eu tenho
que me cuidar”, diz. “Quando a roupa aperta, eu neurotizo.”
Na
entrevista à Folha, o ministro falou sobre a bronca que levou da mãe, a médica
Lucy Fux, 84, por ter tocado guitarra na posse de Barbosa. E sobre o encontro
que teve com réus do mensalão antes do julgamento do caso. Leia abaixo um
resumo da conversa.
BRONCA DA
MÃE
A felicidade
é uma coisa efêmera. E naquele dia [da posse de Joaquim Barbosa] eu estava
muito feliz. E me dei o direito de homenagear o Joaquim com uma música. Se meu
pai fosse vivo, me reprimiria sobremodo. Não tenha dúvida. Assim como minha mãe
o fez. Eu não imaginava que fosse ter essa repercussão. Certamente não se
repetirá.
JOSÉ DIRCEU
Falei com
ele 15 minutos [em 2010]. Ele disse que levaria meu perfil e conversaria com o
presidente Lula. Aí eu soube que trabalhava para outro candidato [Fux não diz
quem é]. Por isso é que não entendo essas críticas. O Zé Dirceu apoiou outro, o
Lula não me nomeou, e a toda hora se houve isso. E outra coisa: não troco
consciência e independência por cargo. Então não tem nada a ver uma coisa com a
outra. Eu fui nomeado pela Dilma.
DILMA
Eu não sabia
[que Dilma tinha ligações com Dirceu, o PT e Lula]. Sinceramente. A informação
que nós tínhamos era outra. Que a Dilma tem a independência dela, a postura
dela, faz as escolhas que ela quer. Ela não nomeou quem o José Dirceu e o Lula
apoiavam. Engraçado, para mim, sinceramente, eu acho que a meritocracia, para a
presidenta Dilma, conta muito.
ESTARRECIDO
Havia [em
2010] essa manifestação cotidiana e recorrente de que não havia provas [para
condenar os mensaleiros]. Eu só ouvia as pessoas dizendo “não tem prova, não
tem prova, não tem prova”. Eu tinha a sensação “bom, não tem provas”. Eu pensei
que realmente não tivesse. Quando fui ler o processo, no recesso [julho], dez
horas por dia, 50 mil páginas, 500 volumes de documentos, verifiquei que tem
prova. Eu fiquei estarrecido.
PROMESSA
Não, imagina
[se fez a algum réu, quando concorria ao STF, promessa de absolvição]. Nem
podia dizer [que achava que não havia provas]. Seria uma leviandade, eu não
conhecia o processo.
ELO
O que se
pode imaginar [sobre a origem da contrariedade] é isso: havia uma cultura
difundida de que não havia provas. Quando tomei posse, declarei a um jornal:
“Se não tiver provas, eu absolvo; se tiver, condeno”. Esse elo foi sendo levado
ao extremo. Só que eu disse isso numa época em que não conhecia o processo. E
aí entra a independência do juiz.
IMPROCEDENTE
Mas isso
[críticas] pode ser uma coisa arquitetada. Como é que ele [Dirceu] vai ter
raiva se ajudou uma outra pessoa? Como é que o outro [Lula] tem raiva se ele
não me nomeou?
PROVAS
Seria um
absurdo condenar alguém sem provas. Eu não teria condições de dormir se fizesse
isso. Te confesso do fundo do coração.
SONHO
Todo juiz
tem essa ambição de chegar ao Supremo. Eu uso a expressão: quem não quer ser
general tem que ir embora do Exército. Fui candidato três outras vezes [entre
2004 e 2010]. Busquei apoio demais. Viajei para o Nordeste, achava que tinha
que ter o maior apoio político possível. O que é um erro porque o presidente
não gostava desse tipo de abordagem. Quando nomeia, ele quer que seja um ato
dele.
RITUAL
É uma
campanha. Tem um ritual. Você tem que fazer essa caminhada política
necessariamente. Como eu me apresentava? Mostrando que sou uma pessoa que gosta
de bater papo, carioca, despojado. E, ao mesmo tempo, currículo. Mas só
meritocracia não vai.
ANTÔNIO
PALOCCI
Na primeira
vez que concorri, havia um problema muito sério do crédito-prêmio do IPI que
era um rombo imenso no caixa do governo. Ele era ministro da Fazenda e foi ao
meu gabinete [no STJ]. Eu vi que a União estava levando um calote. E fui o voto
líder desse caso. Você poupar 20 bilhões de dólares para o governo, o governo
vai achar você o máximo. Aí toda vez que eu concorria, ligava para ele.
DELFIM NETTO
Em 2009,
participei com ele de um debate sobre ética, sociedade e Justiça. Fizemos uma
amizade, batemos um papo. E aí comecei a estreitar. Porque, claro, alguém me
disse: “Olha, o Delfim é uma pessoa ouvida pelo governo”. Aí eu colei no pé
dele [risos].
STEDILE
Ele me apoia
pelo seguinte: houve um grave confronto no Pontal do Paranapanema e eu fiz uma
mesa de conciliação no STJ entre o proprietário e os sem-terra. Depois pedi a
ele para mandar um fax me recomendando e tal. Ele mandou.
SERGIO
CABRAL
Eu sou amigo
dele e também da mulher dele. E ele levou meus currículos [para Dilma]. Você
tem que ter uma pessoa para levar seu perfil e seu currículo a quem vai te
nomear. Senão, não adianta. Agora, também não posso me desmerecer a esse ponto:
eu tinha um tremendo currículo, 17 livros publicados.
NEPOTISMO
Eu acho uma
violação à isonomia [a proposta, defendida por Joaquim Barbosa, de que
familiares de magistrados sejam proibidos de advogar em tribunais em que estão
seus parentes]. E esses meninos e essas meninas que foram criados aqui em
Brasília? E esses meninos filhos de ministros? Você estigmatiza.
MENSALÃO NA
TV
Eu não sou
muito favorável à TV Justiça, embora esteja introjetada no povo a ideia de que
ela dá transparência aos julgamentos. Eu não sei nem onde fica a câmera. O juiz
se acostuma a viver na solidão, mesmo na presença de várias pessoas. Num caso
como o do mensalão, a opinião pública não pode ter interferência absolutamente
nenhuma.
CONDENAR
A pior
função do magistrado é essa. Entendo inclusive que o Supremo poderia abdicar dessa
competência para as instâncias inferiores, até para que elas possam analisar
[processos] sem grandes exposições. Eu tive muita preocupação no meu voto [no
mensalão] de falar em “agremiação partidária”, “primeiro denunciado”. Eu não
queria politizar o voto, estigmatizar ninguém.
DO BEM
Eu te
confesso que tenho esse pendor como ser humano e como magistrado. Eu acho a
pior coisa [julgar e condenar em processos criminais]. Se pudesse, diria “eu
quero fazer tudo, menos isso”. Você pode pesquisar para saber o que as pessoas
pensam de mim sobre a minha característica, o lado humano. Eu sou o que eu sou.
Eu sou assim, eu sou do bem.
“É inútil
querer ser bom o tempo todo”
Fux tem o
hábito de grifar os livros que lê e de resumir os capítulos para fixar melhor
os seus ensinamentos.
Ele agora
está lendo “Nietzche para Estressados”, de Allan Percy, um especialista em
literatura de autoajuda e desenvolvimento pessoal.
É um manual
com “99 doses de filosofia para despertar a mente e combater as preocupações”.
Grifou frases como “quem tem uma razão de viver é capaz de suportar qualquer
coisa” e “é inútil querermos ser bons o tempo todo e fazer tudo certo -o que
importa é estarmos dispostos a fazer um pouco melhor hoje do que fizemos
ontem”.
E ainda: “Os
jornalistas sabem que informação é poder. Por isso é importante medir o que
dizemos e, sobretudo, a quem dizemos”.
_______
Entrevista
do ministro Luiz Fux à jornalista MÔNICA BERGAMO.
Entrevista
publicada originalmente na Folha de S. Paulo, edição 02/12/2012, sob o título
“Em campanha para o STF, Luiz Fux procurou José Dirceu”.