Enquanto todas as atenções se voltam para as
mudanças que o governo pretende fazer na Previdência, discretamente a equipe
do presidente interino Michel Temer já desenha outra medida polêmica: a
reforma trabalhista. O objetivo é flexibilizar a Consolidação das Leis
do Trabalho (CLT), a partir principalmente dos acordos coletivos, para
aumentar a produtividade da economia e reduzir os custos dos empresários ao
investir. Mas com o cuidado de manter os direitos assegurados aos
trabalhadores pela Constituição. A proposta deve restringir as
negociações coletivas à redução de jornada e de salários, ficando fora dos
acordos normas relativas à segurança e saúde dos trabalhadores.
Dessa forma, FGTS, férias, previdência social,
13º salário e licença-maternidade, entre outros, continuarão existindo
obrigatoriamente, mas serão flexibilizados. Ou seja, as partes (empregadores
e sindicatos da categoria) poderão negociar, por exemplo, o parcelamento do
13º e a redução do intervalo de almoço de uma para meia hora, com alguma
contrapartida para os empregados. As horas gastas no transporte que contarem
como jornada de trabalho — nos casos em que a empresa oferece a condução —
também poderiam ser objeto de negociação.
Faz parte da proposta, ainda, a conclusão da
votação do projeto que trata da terceirização pelo Congresso Nacional. O
texto aprovado pela Câmara dos Deputados e enviado ao Senado prevê a
contratação de trabalhadores terceirizados nas chamadas atividades-fim das
empresas, o que hoje não é permitido.
Essas são as linhas gerais da reforma, mas
ainda não há uma proposta fechada. Também não existe definição de quando o
texto será enviado ao Congresso. Isso vai acontecer depois dos debates com as
centrais. O tema é prioridade para o governo — disse um interlocutor do
Planalto.
Ele explicou que o objetivo da reforma trabalhista
é reduzir riscos e custos para as empresas, que são muito elevados no país,
mesmo para quem cumpre a legislação. Os investidores se queixam de que são
obrigados a abrir verdadeiros escritórios de advocacias só para lidar com
ações judiciais, disse.
Para vencer resistências, o governo vai insistir
na tese da valorização da negociação coletiva e fugir do discurso simplista
de que a reforma levará à prevalência do acordado sobre o legislado — em seu
governo, Fernando Henrique Cardoso adotou esse discurso e não conseguiu
aprovar as alterações. Na prática, disse uma fonte do governo, não é isso,
porque os direitos básicos assegurados aos trabalhadores não poderão ser
suprimidos com a mudança na lei.
O ministro
do Trabalho, Ronaldo Nogueira
(PTB-RS), já começou a discutir o assunto com o presidente do Tribunal
Superior do Trabalho (TST), ministro
Ives Gandra Filho — defensor da flexibilização da lei trabalhista. A ideia é
ampliar a todos os setores da economia acordos realizados pela Corte para
algumas categorias e que preservaram direitos básicos, fazendo uma alteração
na CLT.
- Capital e trabalho precisam sentar-se à mesa,
porque são eles que melhor conhecem a realidade de cada um, de cada setor da
economia, e, por isso, podem construir a melhor solução, principalmente nos
momentos de crise, para evitar o desemprego. Precisamos modernizar
a CLT para estabelecer um ambiente de diálogo e uma norma que
configure a fidelidade. Isso é importante para os investidores que querem
segurança nos contratos e para os trabalhadores, principalmente neste momento
em que o Brasil passa por um momento delicado — disse Nogueira.
O presidente do TST reforçou:
— Penso que a melhor forma de se conseguir
encontrar o ponto de equilíbrio em cada setor produtivo seria prestigiar e
valorizar a negociação coletiva, permitindo que empresas e sindicatos, que
mais conhecem cada segmento, estabeleçam as condições ideais ou possíveis de
trabalho.
Entre os acordos de flexibilização com respaldo
da Constituição, de acordo o TST, estão redução das horas de transporte, dos
intervalos intrajornada, do cômputo do adicional noturno; redução do
intervalo de uma hora do almoço para meia hora, nos casos em que o
trabalhador permaneça no local de trabalho e, como contrapartida, possa terminar
o expediente mais cedo. Atualmente, isso não é permitido e resulta em ação
indenizatória na Justiça.
Gandra destacou que o Programa de Proteção ao
Emprego (PPE), do governo do PT —que permite redução de jornada e de salário
em tempos de crise —, é o maior exemplo de flexibilização da legislação
trabalhista. Para o ministro, o PPE, considerado burocrático pelos
empregadores e com custo para a União, que complementa parte do salário,
poderia ser ampliado.
CNI QUER ÊNFASE NA PRODUTIVIDADE
O diretor da Confederação Nacional da Indústria
(CNI), Alexandre Furlan, lembrou que a reforma trabalhista e a regulamentação
da terceirização fazem parte da agenda do setor produtivo, entregue a Temer.
Ele disse acreditar que as propostas avancem diante da mudança de discurso
com Temer no governo. O debate em torno desses temas não pode ser ideológico,
disse, e sim levar em conta o aumento da produtividade:
— Simplesmente proteger o trabalhador, esquecendo
a sustentabilidade das empresas, a competitividade e a produtividade no
ambiente de trabalho, você não conseguirá avançar para uma relação de
trabalho mais moderna.
Segundo Furlan, a legislação atual não favorece
os acordos coletivos. Ao contrário, estimula conflitos, disse, lembrando
haver milhões de ações na Justiça.
A reforma trabalhista já é alvo de iniciativas de
parlamentares. A mais recente partiu do deputado Júlio Lopes (PP-RJ), que
apresentou no mês passado um projeto de lei (4.962) que altera o
artigo 618 da CLT — que trata das convenções —, nos
mesmos moldes da intenção do governo de Temer.
A proposta está sendo avaliada pela Comissão do
Trabalho, em caráter terminativo. Caso não haja recurso para que o projeto
seja apreciado pelo plenário da Câmara, o texto, se aprovado, seguirá direto
para o Senado. As audiências na Comissão já estão marcadas para o próximo dia
14. Lopes apresentou o projeto depois de conversar pessoalmente com o próprio
Temer antes de este assumir o governo. O projeto tem o apoio do presidente do
TST.
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