Será que é razoável que
alguma autoridade escape ao cumprimento da lei?
Assustado como todo brasileiro, venho
escrever esse texto para chamar atenção sobre a possibilidade real e não
fictícia do impeachment ou até mesmo perda do mandato político obtido por um
Presidente da República, sem querer prejulgar de modo algum a nossa atual
presidente, reeleita democraticamente e por enquanto sem nenhuma denúncia
formal por quaisquer das ações eleitorais existentes em nosso ordenamento
jurídico, logo sua eleição foi mais do que legitima até então.
Entretanto, o objetivo do texto é
destacar no viés jurídico de modo bem pragmático que não se pode chamar de
golpe, uma possibilidade teórica e plausível, acaso se constate ciência e
participação de algum modo de sua Excelência, pois, em tese, existem várias
denúncias de corrupção de que se tenta alinhar ao seu governo e partido
político ao qual é filiada.
Será que todos esses escândalos de
corrupção que estão sendo investigados são mera criação da oposição?
Destaco de plano, como sempre faço,
que realmente essa politicagem brasileira procura explorar tudo com objetivo de
se dar bem politicamente e é óbvio que nesse assunto o que mais quer a oposição
é desgastar a imagem da Presidente Dilma com o intuito de angariar proveito
próprio.
Ocorre que tal uso politiqueiro de um
assunto sério como esse não pode impedir o povo de saber que a Presidente da
República é uma autoridade que também está submetida ao crivo da lei. Então,
desde logo deixo esclarecido, que o objetivo deste escrito não é, de maneira
alguma, como podem pensar alguns, fazer qualquer tipo de politicagem partidária
para atacar o partido que hoje governa o nosso país.
Escrevo evidentemente como cidadão,
mas nunca me esqueço da qualidade de juiz, e até mesmo da possível
interpretação equivocada de alguns quanto ao nosso pensamento. Só não posso, de
maneira alguma deixar de reproduzir o cenário atual que o desvio de dinheiro
público impõe para qualquer pessoa consequências fatais.
O Brasil passa por um momento
dificílimo, um momento que pode ser histórico, dependendo de como as
autoridades irão enfrentar todas as denúncias de escândalo, atualmente
existente em nosso País. Claro e evidentemente que o mais grave se concentra na
empresa pública Petrobrás, onde estamos vendo talvez a investigação do maior
desvio de dinheiro público existente na história do nosso país, ou até mesmo na
história do mundo.
Portanto, evidente, que somente a
investigação, pela gravidade e dimensão do que se apresenta, já autoriza muitos
a quererem fazer a relação com os comandantes do governo, tanto o passado,
quanto o presente, nesse cenário de doze anos do PT à frente do governo, em que
tanto o ex-presidente quanto a presidente atual, possam ter ciência e o mais
importante de alguma forma ter participado do desvio de dinheiro público.
Como dito, a análise será jurídica,
mas não se trata de um artigo científico, e sim um chamado social pela
peculiaridade do momento no sentido de que em tese, o desvio do dinheiro
público, pode e deve ocasionar, acaso devidamente comprovado, através do devido
processo legal, a participação de um agente político, pois mesmo sendo distinta
sua responsabilidade em relação aos demais agentes é óbvio que existem
consequências para o mesmo.
A partir disto, faz-se necessário
fazer uma diferença crucial entre os agentes administrativos, servidores públicos
normais, vamos falar assim, para facilitar o entendimento, em relação aos
agentes políticos que detém, a partir da representação obtida por força da
eleição, um mandato, ou seja, esses agentes políticos, detém um poder que é do
povo e decidem na acepção do termo com um diferencial, pois essas suas
decisões, chamadas decisões políticas são carregadas de uma força provinda do
próprio povo, sendo evidente que são e devem assim continuar irresponsáveis não
no sentido vulgar, mas no sentido técnico de não poderem ser responsabilizados
por opções normais do exercício do poder que lhe fora concedido pelo povo.
Contudo, tal prerrogativa inerente à
função de agente politico, não autoriza e nem legitima em hipótese alguma, que
tais governantes possam se beneficiar de algum de seus atos, desviando dinheiro
público, e, principalmente, se utilizando desse dinheiro para se manter no
poder pelo poder. Isso, por óbvio, é inadmissível em qualquer país do mundo.
Acredito que até mesmo nos países ditatoriais a corrupção também seja vista
como algo desprezível, pelo menos formalmente, não podendo ser diferente em um
sistema democrático como o nosso.
No nosso sistema constitucional
democrático, diversas leis impõem aos agentes políticos a obrigação de cumprir
à risca o chamado princípio da legalidade substancial. Além desses mandamentos
legais, como por exemplo, a lei que define os crimes de responsabilidade, a Constituição
é mais do que clara na necessidade de atendimento aos princípios
constitucionais por qualquer gestor público. Evidente que mesmo havendo a distinção
já trazida entre agente político e servidor público, os agentes políticos não
escapam dessa conduta improba de desvio de dinheiro público.
A Lei nº 1.079/50 prevê que são
crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem
contra a Constituição
Federal, e, em especial, aqueles que atentarem contra a probidade na
administração e a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos, dentre
outros tipos. Prevê ainda que o Presidente da República, em um eventual
processo, será processado pelas Casas Legislativas Federais, sendo a denúncia
processada e julgada na Câmara dos Deputados e o julgamento proferido pelo
Senado Federal, em Sessão presidida pelo Presidente do Supremo Tribunal
Federal. Verifique que o julgamento perante o Poder Legislativo não é somente
jurídico, imbuindo-se, também, de caráter político.
Ocorre que para a caracterização do
desvio como um dos ilícitos previstos nas leis que pautam a atuação dos agentes
políticos, a conduta deve ser devidamente comprovada com sua participação
direta ou até mesmo indireta, desde que se comprove a ciência prévia e o dolo
de infringir seus deveres constitucionais perante o povo e até mesmo as demais
autoridades.
É de se frisar, sem fazer qualquer
juízo de valor do acerto ou erro, que por muito menos do que se investiga hoje,
tivemos nesse país um impeachment de um Presidente da República, e,
evidentemente, não estamos fazendo qualquer prejulgamento de que tanto o ex-presidente
quanto a presidente atual do nosso País, tenham qualquer participação com
relação aos escândalos atualmente apurados.
Mas uma coisa não podemos deixar de
registrar: são muitas denúncias que, segundo o que se noticia dos autos, vem
devidamente amparada em provas documentais, testemunhais, delação premiada e
outros tipos de provas lícitas, que em seu conjunto, depois de obedecido,
repito, o devido processo legal, podem sim, ao final, comprovar que houve uso
do dinheiro público, desviado para financiar campanhas eleitorais, tanto a
campanha eleitoral passada quanto a que ocorreu neste ano.
E digo isso sem presumir nenhum tipo
de ilegalidade. Contudo, ressaltando a possibilidade real a partir de tudo que
fora noticiado, de haver um “link” entre os citados desvios e o uso do dinheiro
público desviado para o financiamento das referidas campanhas eleitorais e isso
acaso comprovado de modo indiscutível sobre o aspecto teórico pode e deve levar
à perda do mandato obtido de forma espúria, por ter havido o chamado abuso de
poder em todas as suas esferas, pois muitas vezes tal dinheiro pode ter
utilizado, não só pelo abuso do poder econômico propriamente dito, mas, também,
o abuso dos meios de comunicação, o abuso do poder político, através do próprio
dinheiro, já que sabemos, com todo respeito, das diversas marmotas feitas por
alguns políticos para justamente se manterem no poder pelo poder, logo o que já
vimos diversas vezes ocorrendo com os prefeitos e governadores - fato esse
comum na seara da Justiça Eleitoral, justamente porque o abuso de poder e a
compra de votos dentro desse cenário eleitoral é prática infelizmente comum -
pode ser aplicado ao chefe do Executivo Federal.
E o pior é que temos visto ser essa
prática no País uma regra geral, como destaquei em meu livro Abuso do poder nas
eleições, e pode sim chegar às esferas do Tribunal Superior Eleitoral e, por
conseguinte, levar também um Presidente da República a perder um mandato
político obtido não legalmente, mas por força desse abuso de poder e uso
evidentemente do dinheiro público desviado.
Na esfera da Justiça Eleitoral a
Presidente da República poderá ainda vir a ser processada em ações eleitorais
que visam a apuração de abuso de poder, como no caso da Ação de Investigação
Judicial Eleitoral (art. 22, da Lei de Inelegibilidades) e Representação por
conduta vedada (art. 73, da Lei das Eleições), com possibilidade de
propositura até a data da eleição, além de Ação de Impugnação de Mandato
Eletivo (art. 14, § 10, da Constituição Federal) e Representação por
irregularidades na arrecadação e gastos de campanha (art. 30-A, da Lei das Eleições), estas podendo ser propostas
até quinze dias após a data da diplomação, podendo, em qualquer dos casos, julgada
procedente a ação e ante às circunstâncias provadas no processo, vir a ser
cassado o diploma, com perda do mandato e inelegibilidade por oito anos. Em
todos os casos, repito sempre, há que ser garantido o devido processo legal e
uma eventual condenação ser fundamentada em provas robustas e incontestáveis.
Não podemos achar que tais formas de
abuso só acontecem no cenário municipal e estadual, mas, por outro lado, também
não podemos presumir o que ocorreu. Assim, o mais prudente é aguardar e
fiscalizar de modo atento o desenrolar dos fatos e se houver a devida
comprovação dessa ligação entre o dinheiro desviado e o uso nas campanhas
eleitorais, a fim de que possa se apurar as devidas responsabilidades e aí sim
poder, em tese, perder o mandato obtido, porque nem mesmo o voto, que é um
direito de todo cidadão e que foi exercido recentemente, pode ser tido como
absoluto.
A soberania do voto então não é
absoluta, e se assim se pensasse, a Constituição
e as diversas leis eleitorais que tratam do abuso de poder e compra de voto
seriam totalmente inócuas, e mais a própria estrutura da Justiça Eleitoral e do
Ministério Público seria totalmente desnecessária, o que sinceramente é
desarrazoado. Por outro lado, consoante inclusive o que já ocorreu em nossa
história com o então presidente Fernando Collor de Melo, repito, por muito
menos do que o que está se investigando atualmente, houve o impeachment e é
obvio que essa situação de enquadramento, dentro de um crime de
responsabilidade, prevista inclusive numa lei bem antiga e que foi devidamente
recepcionada pela Constituição
Federal pode vir a ocorrer e isso não deve ser visto, por si só,
como um golpe, sob pena de um Presidente ser imune à aplicação da lei.
Também é possível em termos
jurídicos, portanto, que ocorra o impeachment, mas do mesmo modo, tem que ser
obedecido o devido processo legal e não se achar tão somente porque já ocorreu
no passado, que as supostas práticas atuais do quem gere o partido que governa
a presidência possa ser atingido de modo automático. Não se admite, em hipótese
alguma, nem aqui defendo, que se façam ilações indevidas e que se condene uma
Presidente da República eleita de forma antecipada. Ai sim seria um golpe!
O que se chama atenção nesse texto é
a possibilidade real dentro do ordenamento jurídico e a par de tudo o que está
se investigando, de ocorrer tanto o impeachment quanto a perda do mandato
político obtido, na hipótese, de forma espúria. Contudo ambas as situações
impõem a necessária observância do devido processo legal e o não uso
politiqueiro da atual situação.
O que desejamos é que as autoridades
competentes tenham a isenção e a força necessária para dentro do que se
cognomina no ordenamento jurídico, do princípio do juiz natural, possam
processar e julgar, e, acaso devidamente comprovado que houve a ciência e a
efetiva participação, direta ou indireta de um Presidente da República, o mesmo
evidentemente não pode, por força de uma suposta irresponsabilidade no sentido
jurídico, que por muito tempo se cultuou e que hoje sem sombra de duvidas não é
mais realidade, impondo ao final de todo esse processo constitucional a
reprimenda previstas em nosso ordenamento acaso se constate participação ou
então que se absolva. Não sendo plausível é a defesa de não haver investigação
contra a Presidente e o devido processo legal.
A realidade é justamente o contrário.
Ou seja, todos sem exceção, que exercem o poder legitimamente dado pelo povo,
podem evidentemente ser responsabilizados por seus atos, tanto se o poder lhe
foi dado somente formalmente na forma legal e ai evidentemente se caracterizar
a perda do mandato. Referimo-nos ai a possibilidade de se comprovar que parte
do dinheiro desviado tenha sido utilizado como caixa um e dois da campanha
presidencial desse ano.
Ou então acaso o mandato político
tenha sido obtido de forma legal, sem qualquer comprovação da ligação de que o desvio
do dinheiro público foi usado para as campanhas eleitorais - em se comprovando,
por outro lado, que um presidente tinha ciência e tendo participado direta ou
indiretamente, ai justamente pela caracterização de um eventual crime de
responsabilidade, que é uma infração política-administrativa na acepção do
termo - deve ocorrer o impeachment, que repito já ocorreu uma vez por muito
menos do que se está se investigando agora.
Com essas pequenas digressões chamo a
atenção do povo brasileiro de que é possível sim, juridicamente falando, tanto
o impeachment quanto a perda de um mandato político de um Presidente da
República, mas nunca por presunção de que tais fatos aconteceram e nem mesmo
que se faça julgamento antecipado.
Não podemos abandonar nunca, uma das
maiores garantias constitucionais de qualquer cidadão, incluindo ai
evidentemente o Presidente da República, qual seja, o devido processo legal em
sua ótica substancial.
E não me venham dizer que esse nosso
pensamento é golpe!
Com todo respeito a essas possíveis
críticas, golpe à nação brasileira é ver o descumprimento de nossa Carta Magna
e leis constitucionais e não se fazer nada, como infelizmente já ocorreu e que
se não ficarmos vigilantes pode se repetir e isso não podemos admitir em
hipótese alguma, pois o povo não pode continuar sendo roubado dessa forma e os
responsáveis não serem condenados, quem quer que seja.
Publicado por José Herval
Sampaio Júnior/JusBrasil
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