A Justiça
fluminense terá de fixar nova pena contra a Procuradora aposentada Vera Lúcia
de Sant’anna Gomes, condenada por torturar uma criança de dois anos. A Quinta
Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, considerou que a
fixação da pena-base acima do mínimo legal levou em consideração elementos
próprios do crime de tortura, como a crueldade e a intolerância. No entanto, a
condição de procuradora e a conduta social reprovável podem ser pesadas
desfavoravelmente a ela no recálculo.
Os fatos vieram à
tona em 2010, com a divulgação de vídeos em que a procuradora foi flagrada
cometendo atos de violência física e verbal contra a menina que estava sob sua
guarda, para adoção.
Em primeiro grau,
ela foi condenada a oito anos e dois meses de prisão. Houve recurso da defesa e
do Ministério Público – ambos não tiveram sucesso e a sentença foi mantida. A
defesa entrou com pedido de habeas corpus no STJ, alegando que a
pena-base teria sido fixada acima do mínimo legal sem a devida fundamentação. A
defesa alegou que a condenada é primária e tem bons antecedentes (foi membro do
Ministério Público por 25 anos), características que teriam sido
desconsideradas no cálculo da pena.
Método trifásico.
O cálculo da pena no Brasil é
feito pelo chamado método trifásico. De acordo com a Lei nº 9.455/97, a pena
para o crime de tortura é de dois a oito anos. No caso da procuradora, na
primeira etapa, a pena-base foi fixada em seis anos, levando-se em conta as
“circunstâncias judiciais”. O juiz não encontrou atenuantes ou agravantes e, na
segunda etapa, considerando que o crime foi cometido contra criança, aplicou a
causa de aumento em um sexto, alcançando sete anos de pena.
Em seguida, na
terceira etapa do cálculo, considerando se tratar de crime continuado (a
procuradora torturou a criança durante quase todo o período em que ela esteve
sob sua guarda), o juiz impôs a pena de somente um dos atos, porém aumentada de
um sexto, chegando a oito anos e dois meses de reclusão, em regime inicial
fechado.
O Ministro Gilson
Dipp, relator do habeas corpus, observou que a liberdade para adoção
de critérios pelo juiz para fixar a pena não pode ser confundida com arbítrio.
“Além de motivar as razões que foram seguidas, deverá demonstrá-las
concretamente, com os dados coletados ao longo da instrução processual”, o que
o ministro não constatou no caso. Nos termos do voto do relator, seguido pela
Quinta Turma, em muitos momentos, a sentença traz como fundamentação para
agravar a pena circunstâncias inerentes ao próprio delito de tortura.
O relator explicou
que as menções a “castigo com requinte de crueldade” e “motivos nada nobres”, e
as que “estão ligadas a mera maldade, intolerância, impaciência, desequilíbrio
emocional e insensibilidade”, são características da própria tipologia do
delito, descrito como o ato de infligir intenso sofrimento físico ou mental.
Para o ministro, o distanciamento da pena mínima fixada em lei exige
demonstração efetiva da sua real necessidade, nos termos da jurisprudência da
Corte.
Reprovação
A defesa também questionou a utilização da condição de integrante do Ministério Público da ré em seu detrimento. No entanto, quanto a esse ponto, o Ministro Dipp considerou a fundamentação da sentença cabível e válida para aumentar a pena-base.
A defesa também questionou a utilização da condição de integrante do Ministério Público da ré em seu detrimento. No entanto, quanto a esse ponto, o Ministro Dipp considerou a fundamentação da sentença cabível e válida para aumentar a pena-base.
“De fato, tal
condição da paciente demanda comportamento diferenciado da média da população,
considerando-se que plenamente consciente tanto da legislação quanto das
consequências do eventual descumprimento da lei penal”, disse. Dipp ainda
criticou a exposição negativa a que o fato submeteu a instituição.
Conduta social.
O ministro também entendeu que
devem ser mantidas as razões da sentença para o aumento da pena-base ao valorar
negativamente a conduta social da procuradora. Neste ponto, considerou válidas
as ponderações do juiz ao valorar negativamente depoimentos prestados
judicialmente por pessoas de seu convívio diário.
Os testemunhos
revelaram ser a procuradora “pessoa que não se esmera em tratar de forma cortês
e urbana aqueles que, a seu juízo pessoal, considera serem de patamar
socialmente inferior ao seu, devendo ser considerado que o teor de tais
depoimentos gerou, inclusive, a instauração de inquérito para a apuração de
eventual prática de crime de racismo”, asseverou Dipp.
Com a decisão, o
caso voltou ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro para fixação de nova pena,
de acordo com os critérios definidos pelo STJ.
Fonte: STJ
Fonte: STJ
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