Em recentes debates confrontou-se a “privatização” petista com a
tucana, a propósito dos leilões de concessões de aeroportos. Ficou
evidente uma preocupante falta de entendimento sobre o que representam
privatizações de empresas estatais, de um lado, e concessões de serviços
públicos, de outro. Como diria o saudoso Tim Maia, “uma coisa é uma
coisa e outra coisa é outra coisa”. Cabe, assim, uma reflexão mais
ampla.
A ameaça de hiperinflação, o descontrole das
contas públicas e a crise fiscal induziram o governo FHC a promover uma
profunda reestruturação do setor público. Foram seguidas duas linhas de
ação quanto à participação do Estado na economia, diante da falência do
modelo estatal-desenvolvimentista. Na primeira, empresas estatais que
desempenhavam atividades econômicas foram privatizadas, mediante a
alienação total ou parcial de seus ativos, como por exemplo, a Vale,
CSN, Cosipa e Embraer. Tratou-se, neste caso, de transferir, mediante
ofertas em leilões públicos, a propriedade dessas empresas para o setor
privado. Optou-se pela venda em bloco de ações, ao invés da venda mais
disseminada no mercado, como ocorreu, por exemplo, na Grã Bretanha. Os
vencedores foram grupos empresariais associados a fundos de pensão.
Por
estarem voltadas para o mercado e por ele reguladas, não houve a
necessidade de mecanismos institucionais para a sua regulação, exceto os
bancos estaduais privatizados. Estas empresas tinham que ser
competitivas e ganhar (ou garantir) o seu espaço no mercado. Portanto, o
conceito de privatização aplicou-se à transferência de ativos de
empresas, reguladas pelo mercado, e que perderam privilégios, proteções,
subsídios ou cobertura de prejuízos com recursos do Tesouro. Malgrado
os protestos na época, elas tornaram-se de fato competitivas e
expandiram seus horizontes de mercado para uma escala mundial.
A
segunda linha foi a das concessões dos serviços públicos. Muitas
autarquias e empresas operadoras tiveram seu papel reduzido ou
modificado, pela transferência das operações e investimentos para
empresas ou consórcios concessionários privados. O mecanismo foi o de
licitações que geraram contratos de concessões por prazos longos, em
geral de 25 a 30 anos. Assim, com relação à denominação genérica de
“privatizações”, não se pode confundir os casos de serviços públicos
concedidos com os de atividades econômicas exercidas por empresas
anteriormente estatais. Não cabe, também, avaliar os desempenhos e
resultados das duas categorias por critérios análogos.
A
necessidade de regular contratos de concessão e parceria para a
prestação de serviços públicos introduziu um novo referencial na
organização do Estado brasileiro, particularmente no Executivo. A
criação das agências reguladoras obedeceu ao imperativo de uma nova
realidade econômica, social e política resultante das concessões na
prestação dos serviços públicos. Levou à diluição do papel – que
prevaleceu por décadas – do setor público atuando na implantação de
infraestruturas e na prestação exclusiva ou principal dos serviços
públicos, quando entes estatais tornaram-se reguladores de si mesmos.
As
agências reguladoras, todavia, só garantem equilíbrio e estabilidade no
relacionamento entre as partes envolvidas (concedente, concessionário e
usuários), na medida em que têm credibilidade e imagem pública de
isenção. Tanto a subordinação das agências ao governo, tornando-a objeto
de barganhas político-partidárias, quanto a sua captura por interesses
privados, afetam o trinômio que sintetiza sua imagem perante a
sociedade: independência, credibilidade e capacitação técnica. Este é o
grande dilema da postura petista em relação às concessões. Elas são
exatamente iguais às dos tucanos, mas querendo, envergonhadamente,
parecer diferentes. O busílis da questão é justamente o da regulação. Se
as agências reguladoras forem objeto de aparelhamento de cunho
político-partidário e trazidas para a tradição patrimonialista do
Estado, as concessões petistas abrirão um novo capítulo no enredo do que
chamam de “privataria”.
Josef Barat é Sócio-Diretor da PLANAM-CONSULT, Planejamento, Assessoria e Monitoração de Projetos Ltda, foi Diretor da ANAC.
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