terça-feira, 21 de agosto de 2012

Privatizações ontem e hoje

Em recentes debates confrontou-se a “privatização” petista com a tucana, a propósito dos leilões de concessões de aeroportos. Ficou evidente uma preocupante falta de entendimento sobre o que representam privatizações de empresas estatais, de um lado, e concessões de serviços públicos, de outro. Como diria o saudoso Tim Maia, “uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa”. Cabe, assim, uma reflexão mais ampla.

A ameaça de hiperinflação, o descontrole das contas públicas e a crise fiscal induziram o governo FHC a promover uma profunda reestruturação do setor público. Foram seguidas duas linhas de ação quanto à participação do Estado na economia, diante da falência do modelo estatal-desenvolvimentista. Na primeira, empresas estatais que desempenhavam atividades econômicas foram privatizadas, mediante a alienação total ou parcial de seus ativos, como por exemplo, a Vale, CSN, Cosipa e Embraer. Tratou-se, neste caso, de transferir, mediante ofertas em leilões públicos, a propriedade dessas empresas para o setor privado. Optou-se pela venda em bloco de ações, ao invés da venda mais disseminada no mercado, como ocorreu, por exemplo, na Grã Bretanha. Os vencedores foram grupos empresariais associados a fundos de pensão.

Por estarem voltadas para o mercado e por ele reguladas, não houve a necessidade de mecanismos institucionais para a sua regulação, exceto os bancos estaduais privatizados. Estas empresas tinham que ser competitivas e ganhar (ou garantir) o seu espaço no mercado. Portanto, o conceito de privatização aplicou-se à transferência de ativos de empresas, reguladas pelo mercado, e que perderam privilégios, proteções, subsídios ou cobertura de prejuízos com recursos do Tesouro. Malgrado os protestos na época, elas tornaram-se de fato competitivas e expandiram seus horizontes de mercado para uma escala mundial.

A segunda linha foi a das concessões dos serviços públicos. Muitas autarquias e empresas operadoras tiveram seu papel reduzido ou modificado, pela transferência das operações e investimentos para empresas ou consórcios concessionários privados. O mecanismo foi o de licitações que geraram contratos de concessões por prazos longos, em geral de 25 a 30 anos. Assim, com relação à denominação genérica de “privatizações”, não se pode confundir os casos de serviços públicos concedidos com os de atividades econômicas exercidas por empresas anteriormente estatais. Não cabe, também, avaliar os desempenhos e resultados das duas categorias por critérios análogos.

A necessidade de regular contratos de concessão e parceria para a prestação de serviços públicos introduziu um novo referencial na organização do Estado brasileiro, particularmente no Executivo. A criação das agências reguladoras obedeceu ao imperativo de uma nova realidade econômica, social e política resultante das concessões na prestação dos serviços públicos. Levou à diluição do papel – que prevaleceu por décadas – do setor público atuando na implantação de infraestruturas e na prestação exclusiva ou principal dos serviços públicos, quando entes estatais tornaram-se reguladores de si mesmos.

As agências reguladoras, todavia, só garantem equilíbrio e estabilidade no relacionamento entre as partes envolvidas (concedente, concessionário e usuários), na medida em que têm credibilidade e imagem pública de isenção. Tanto a subordinação das agências ao governo, tornando-a objeto de barganhas político-partidárias, quanto a sua captura por interesses privados, afetam o trinômio que sintetiza sua imagem perante a sociedade: independência, credibilidade e capacitação técnica. Este é o grande dilema da postura petista em relação às concessões. Elas são exatamente iguais às dos tucanos, mas querendo, envergonhadamente, parecer diferentes. O busílis da questão é justamente o da regulação. Se as agências reguladoras forem objeto de aparelhamento de cunho político-partidário e trazidas para a tradição patrimonialista do Estado, as concessões petistas abrirão um novo capítulo no enredo do que chamam de “privataria”.

Josef Barat é Sócio-Diretor da PLANAM-CONSULT, Planejamento, Assessoria e Monitoração de Projetos Ltda, foi Diretor da ANAC.

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