Documentos relatam a falta de consenso no governo sobre o tema, considerado 'sensível' e 'polêmico'.
BRASÍLIA
- O Grupo dos 20 (G-20) estuda uma proposta para barrar a circulação de
corruptos e corruptores nos seus países-membros a partir da negativa de
vistos e de refúgio. A proposta, encabeçada pelos Estados Unidos, é
vista com reticências no governo brasileiro.
O
Estado teve acesso a documentos que relatam a falta de consenso dentro
do governo em apresentar uma manifestação sobre o tema, apesar da
pressão internacional. Desde o ano passado, membros da
Controladoria-Geral da União (CGU), do Ministério das Relações
Exteriores, da Advocacia-Geral da União (AGU) e do Ministério da Justiça
estão envolvidos no debate, considerado "sensível", "polêmico" e
"difícil". As autoridades brasileiras não conseguem definir quem seria
afetado pela medida.
Em
2012, os chefes de Estado ratificaram o compromisso de criar
instrumentos para barrar a entrada de enquadrados nesse crime em seus
territórios. Em junho, o grupo apresentará o primeiro relatório sobre a
implantação da medida.
O
Brasil quer parâmetros sobre quem se enquadraria no termo "corrupto" e
quem sofreria as penalidades. Não há entendimento, entre as autoridades
locais, sobre se a norma valeria apenas para condenados ou também para
aqueles que não foram julgados. Discute-se, ainda, no âmbito do G-20 que
a punição deveria se estender a familiares e associados dos corruptos, o
que contraria a Constituição brasileira. Também pesa nas discussões
governamentais a tradição do País de não restringir acesso ao seu
território. Os defensores da proposta, no entanto, sustentam que a
negação de vistos e o controle migratório impedem que o corrupto gaste o
dinheiro fruto do ilícito fora de seu país.
A
medida teria reciprocidade e afetaria o universo de corruptos
brasileiros que tentassem entrar nos países do G-20. Dados do Ministério
Público Federal revelam que mais de 5 mil inquéritos foram abertos nos
últimos anos para investigar práticas de corrupção no País. Cerca de 700
pessoas cumprem pena hoje no Brasil por esse crime.
No
Supremo Tribunal Federal, há 17 inquéritos e ações penais contra
parlamentares, e somente a Procuradoria Regional da República da 1.ª
Região denunciou cerca de 250 prefeitos nos últimos dois anos por esse
crime. No julgamento do mensalão, concluído no final do ano passado, 20
dos 25 condenados foram sentenciados a penas por corrupção ativa ou
passiva – entre eles o ex-ministro José Dirceu, o deputado federal José
Genoino e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares.
Em
pauta.
Oficialmente, o governo nega qualquer tentativa de atrasar a
proposta e afirma que o assunto está ainda em discussão. O Brasil tem
até o próximo ano para debater o assunto, que ganhou força depois de os
Estados Unidos alterarem sua legislação – autorizando a autoridade
alfandegária a barrar a entrada de corruptos, familiares e pessoas
associadas.
O
tema também avança no Canadá, onde um projeto de lei criando restrições
para o acesso ao território de pessoas corruptas já foi apresentado.
"A
discussão existe e, por se tratar de um assunto sensível, está andando
surpreendentemente bem. Estamos no ponto de definir a forma e
operacionalizá-la. O Brasil já se comprometeu a analisar casos de
corrupção como um critério na hora de concessão de vistos ou na entrada
de estrangeiros em seu território. O que não vamos é abrir mão da
soberania do País de decidir", afirma Hamilton Fernando Cota Cruz,
assessor especial da CGU, responsável por coordenar as ações brasileiras
sobre o tema no G-20. "Uma medida como essa é de grande inovação e ela
tem o respaldo e a força dos líderes políticos das 20 maiores economias
do mundo, que assinaram a proposta. Não tem força de lei, mas tem força
política."
Para
o G-20, a corrupção ameaça a integridade dos mercados, destrói a
confiança da sociedade e distorce alocações de recursos. O grupo
anticorrupção tem representantes de todos os países e a Espanha como
observadora.
Polêmica.
"Muito mais eficaz do que barrar a entrada de corruptos nos países é a
punição efetiva de quem é corrupto e do corruptor", avalia Rodrigo
Vitória, coordenador da unidade de Governança e Justiça do Escritório
das Nações Unidas sobre Drogas e Crime.
Para
ele, a medida esbarra em princípios constitucionais, como a presunção
da inocência, e também na demora na validação de sentenças
internacionais pelo Judiciário. "O cenário brasileiro está melhorando,
mas ainda temos uma cultura de permissividade com a corrupção. A medida
constrange, mas não é a melhor", avalia.
Alana Rizzo - O Estado de S. Paulo
Alana Rizzo - O Estado de S. Paulo
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