Nunca houve dúvida
de que Eliza Samudio, a jovem que teve um filho com o goleiro Bruno Fernandes,
foi vítima de um enredo de barbáries que culminou em sua morte, em 10 de junho
de 2010, na casa de um matador contratado pelos comparsas do então ídolo do
Flamengo. Mas faltavam peças essenciais da trama, que a Polícia Civil de Minas
Gerais desvendou em um inquérito de 8 500 páginas a que VEJA teve acesso. É
revelador. Ali estão detalhes técnicos, científicos e testemunhais que mostram
a articulação de Bruno e seu bando para atrair, sequestrar, matar e dar sumiço
ao corpo da incômoda amante. Agora está claro que a caçada a Eliza foi
planejada. Ela durou pelo menos cinco meses. “Espantam a frieza e a
determinação do grupo para eliminar essa moça”, diz a delegada Alessandra
Wilke, à frente da investigação. Paralelamente, VEJA obteve uma série de novas
evidências, exclusivas, que contribuem para fechar ainda mais o anel em torno
dos responsáveis. Em Minas, conversou com o homem que apresentou Bruno e seu
séquito ao matador, o ex-policial Marcos Aparecido dos Santos, conhecido como
Bola. Ouviu ainda de pessoas próximas ao grupo do goleiro que Eliza tinha em seu
poder um vídeo comprometedor que ameaçava divulgar e que teria efeito
devastador sobre a reputação de Bruno. E obteve uma carta, interceptada por um
agente penitenciário, em que o goleiro escreve – de sua cela no presídio de
Nelson Hungria, na Grande Belo Horizonte, no qual completa neste dia 7 de julho
dois anos de permanência – o que nunca falou.
Endereçada a seu
fiel escudeiro Luiz Henrique Romão, o Macarrão (“meu querido irmão”), a carta
revela o mesmo Bruno que negava ter estado com Eliza na ocasião de seu sumiço
pedindo ao amigo que assuma toda a responsabilidade em seu lugar. É o que chama
de “plano B” – o A era simplesmente negar o óbvio, a existência do crime, o que
ele próprio já não acha viável, “diante das investigações”. “Eu sinceramente nunca
pediria isso para você, mas hoje não temos que pensar em nós somente. Temos uma
grande responsabilidade que são nossas crianças”, diz o goleiro. “Você me disse
que se precisasse você ficaria aqui e que era para eu nunca te abandonar.
Então, irmão, chegou a hora”, acrescenta. E pede perdão – três vezes. Encerra a
carta que Macarrão jamais recebeu com a assinatura (comprovada por dois
peritos) que, por quase quatro anos, estampou o uniforme de jogador número 1 do
Flamengo. Lançar a culpa em Macarrão e alegar que não sabia de nada é a
estratégia atual de Bruno para se livrar das acusações de sequestro e
assassinato que pesam sobre ele. O advogado do goleiro confirma a tática:
“Falei com ele: não adianta ficar negando que essa jovem morreu. Todos têm
culpa nesse caso, menos o Bruno, que é inocente, o bobo da corte. O problema
dele foi ter o Macarrão como secretário”, diz Rui Pimenta, renomado
criminalista de Minas Gerais. Macarrão ainda não se pronunciou sobre esse
assunto. As informações que agora vêm à tona, no entanto, não deixam dúvida
sobre o papel do goleiro nesse enredo de brutalidades no qual esteve presente
do começo ao fim.
A memória do
computador apreendido no apartamento da Zona Leste de São Paulo onde Eliza
estava morando nos meses que antecederam sua morte é decisiva para destrinchar
a teia criminosa. Entre 9 de novembro de 2009 e 7 de maio de 2010 – 35 dias
antes de morrer –, ela trocou centenas de mensagens por MSN com amigos. O caso
de Eliza com Bruno (que era casado e tinha noiva e uma amante fixa) veio à tona
em outubro de 2009, quando ele e Macarrão a procuraram, espancaram, encostaram
uma arma em sua cabeça e lhe deram à força um abortivo que não funcionou.
Grávida de um filho que dizia ser do goleiro, Eliza denunciou a agressão e, com
medo da reação de Bruno, refugiou-se na casa de amigos, sem revelar seu
paradeiro. O temor de ser encontrada fica evidente nas conversas, nas quais ela
insiste que “Bruno é maluco” e que à “terra do Bruno vou só com passagem de
ida. Vão me matar lá”. A partir de janeiro de 2010, um mês antes de o bebê
nascer, amigos do goleiro (nunca ele mesmo), sempre por MSN, começaram a pedir
a Eliza seu endereço e a tentar atraí-la de volta ao Rio. “O objetivo deles, o
tempo todo, era matá-la”, reforça o então diretor do Departamento de
Investigações de Minas Gerais, delegado Edson Moreira. Três pessoas ligadas a
Bruno e ouvidas por VEJA relatam que Macarrão e outro homem chegaram a ir atrás
de Eliza em Santos, pois tinham informações de que ela estaria lá. “O Bruno
fala que Macarrão lhe contou que precisava ir a São Paulo para resolver alguns
problemas, mas não especificou do que se tratava”, diz o advogado Pimenta. Por
fim, Eliza foi vencida pela promessa de um apartamento mobiliado e pela
exibição de um contrato em que Bruno se comprometia a fazer exame de DNA e a
pagar pensão de 3.500 reais. Chegou ao Rio com o bebê em maio de 2010 e se
instalou em um hotel (bancado por Bruno) na Barra da Tijuca, na Zona Oeste,
próximo à casa do goleiro. Trazia na manga, ao que tudo indica, uma arma
poderosa e um forte motivo para o atleta querer eliminá-la – além do desejo de
se livrar de alguém que havia feito dele motivo de chacota entre os colegas de
gramado, por tê-lo supostamente engambelado ao engravidar, e que insistia em
tirar dele dinheiro e conforto.
Pessoas próximas a
Bruno falaram a VEJA sobre a existência de um vídeo gravado por Eliza em seu
celular com as cenas de uma orgia envolvendo ela própria, Bruno e Macarrão.
Esse celular jamais foi encontrado. A mudança de tom nas mensagens de Eliza
pouco antes de chegar ao Rio reforça a suspeita de que ela tinha em seu poder
um trunfo que assombrava Bruno: em vez de se sentir ameaçada, agora era ela
quem fazia amea-ças (“Não sei o que fazer, viu? Estou me contendo. Vou
desestabilizar o Fla”, escreveu ao jogador Rodrigo Alvim, então colega de time
de Bruno). No dia 4 de junho de 2010, Eliza e o bebê foram sequestrados na
porta do hotel por Macarrão e Jorge Luiz Rosa, primo do goleiro, na época menor
de idade. Foi nos depoimentos desse primo que a polícia alinhavou a maior parte
do roteiro que se segue. No carro, ferida por coronhadas na cabeça, Eliza foi
levada para a casa de Bruno. A portaria do condomínio foi instruída pelo
próprio goleiro a não deixar ninguém entrar, com exceção de uma pessoa:
Fernanda Gomes de Castro, também sua amante, convocada para cuidar do bebê -- o
que reforça a ideia de que os passos seguintes já estavam planejados. Detalhe:
VEJA apurou que foi nesse dia, mais precisamente cinco horas antes do sequestro
(e não meses antes, como afirmava), que Macarrão fez a famosa tatuagem “Bruno e
Ma-ka, a amizade nem mesmo a força do tempo irá destruir, amor verdadeiro”. No
dia seguinte, o Flamengo jogou com o Goiás no Maracanã (perdeu de 2 a 1); do
vestiário, Bruno ligou quatro vezes para Macarrão, demonstrando estar atento à
situação em casa. Duas horas depois do jogo, partiram todos para o sítio do
goleiro em Esmeraldas, Minas Gerais – Bruno, o bebê e Fernanda num carro que
ele próprio tomou emprestado de um amigo (sem GPS); Macarrão, Jorge Luiz e
Eliza, sempre apanhando, no Land Rover do goleiro. No caminho, pararam em um
motel, onde se hospedaram em quartos separados. Nos depoimentos, sustentaram a
imaginosa versão de que um não sabia da presença do outro, embora Bruno tenha pago
a conta inteira: 431 reais.
Nesse ponto, entra
em cena a figura-chave que se manteve por todo esse tempo à sombra do enredo:
José Lauriano de Assis Filho, o Zezé, então policial na ativa que conhecera
Bruno e Macarrão dois anos antes. Foi Zezé quem apresentou ao grupo um matador
conhecido na região, o ex-policial Bola -- o que ele admitiu no inquérito e
repetiu a VEJA. Justificou-se: o filho de Bola queria ser jogador de futebol.
Do motel, Macarrão e Zezé se falaram 23 vezes por telefone; a certa altura, as
antenas dos celulares mostram que os dois estavam pertíssimo um do outro e que
no quarto 25, de Macarrão, alguém autorizou a entrada de um visitante, que lá
permaneceu quarenta minutos. Mas a polícia não conseguiu comprovar um encontro
de Zezé com Macarrão ou Bruno. “Eu estava caminhando naquela região”, disse
Zezé a VEJA. “Temos a convicção de que ele participou de tudo, mas não
conseguimos provar”, diz o delegado Moreira. Os dois grupos seguiram viagem até
o sítio do goleiro. Chegando lá, Eliza e o bebê foram trancados num quarto,
onde a polícia depois detectou vestígios de sangue no chão. Despreocupado,
Bruno organizou um churrasco para cerca de trinta pessoas no quintal do imóvel
-- na ocasião os convidados não tinham permissão de entrar na casa,
restringindo-se à área do jardim. Nesse churrasco, Cleiton Gonçalves, amigo do
goleiro com passagens pela polícia, quis ir ao banheiro, foi impedido e acabou
avisado do cativeiro. À polícia, ele disse que percebeu as intenções do grupo e
aconselhou o goleiro: “Não mata ela, não”. Ao que Bruno respondeu: “Já fiz
m..., agora vou resolver”.
Na noite de 10 de
junho de 2010, Macarrão telefonou para Bola. Em seguida, pôs Eliza e o bebê no
carro, e, acompanhado de Jorge Luiz, dirigiram-se a um ponto onde encontraram o
ex-policial, de moto. Seguiram-no até a casa do matador. Ali, diante dos dois,
Bola asfixiou Eliza e carregou seu corpo para outro cômodo. De lá saiu com um
saco que disse conter pedaços do corpo da moça e atirou tudo a seus cães
rottweiler. Agora está claro para a polícia: era fingimento – ele só queria
aterrorizar as testemunhas. Os detalhes sobre os derradeiros momentos de Eliza
constam dos depoimentos de Jorge Luiz, que reforçou a veracidade do relato 1) fazendo
uma descrição minuciosa do interior da casa e 2) do próprio matador, apontando
até uma falha em seu dente que ele tentou disfarçar, dizendo ter sido um
acidente com as algemas, mas que foi confirmada pela perícia. Macarrão e Jorge
Luiz foram embora com o bebê. Bruno se encarregou de atear fogo à mala de
roupas de Eliza em seu sítio. Às 23 horas, todos (menos o bebê, que foi
entregue aos caseiros) voltaram para o Rio de Janeiro. O corpo da amante do
goleiro nunca foi achado.
O sítio no
condomínio Turmalinas, palco do horror vivido por Eliza, está à venda há mais
de um ano, sem atrair compradores. Aguardando o julgamento, que deve ficar para
2013, Bruno, hoje com 27 anos, vive numa cela de 6 metros quadrados com
chuveiro de água fria, pia e vaso sanitário. Tem TV e rádio, levados por
parentes, e uma Bíblia, que lê todo dia. Está sozinho desde abril do ano
passado, quando, por determinação judicial, deixou de dividir o local com
Macarrão. É considerado um preso de comportamento tranquilo. Por duas horas diárias,
aproveita o banho de sol para treinar sozinho, com bola, meia alta e caneleira.
De segunda a sexta, trabalha no presídio como faxineiro. Ganha salário de 466
reais. Recebe visitas regulares da avó paterna e de Ingrid Calheiros, sua
noiva, com direito a um encontro íntimo por mês. De vez em quando, Macarrão lhe
manda o que seu advogado descreve como “cartas de amor”, nas quais é chamado de
“Tigrão”. Bruno não responde a elas.
Com reportagem de
Marcelo Sperandio
*Matéria capiturada do Blog do Jornalista Gilberto Lima
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