Chacina em presídio deflagra guerra entre a família Sarney e o
Judiciário do Maranhão
Senador
responsabilizou os juízes das Varas de Execuções Penais em São Luís;
magistrados culpam governo de Roseana Sarney
BRASÍLIA
— A carnificina dentro do maior presídio de regime fechado do Maranhão, com
nove detentos mortos e dezenas de feridos na semana passada, deflagrou uma
guerra entre o clã Sarney e o Judiciário no estado. O senador José Sarney
(PMDB-AP) utilizou o jornal de propriedade de sua família, “O Estado do
Maranhão”, para responsabilizar os juízes das Varas de Execuções Penais em São
Luís pela rebelião e isentar o governo de sua filha, Roseana Sarney (PMDB), de
qualquer culpa pela tragédia. Os magistrados reagiram e atribuíram ao Executivo
estadual toda a responsabilidade pelas mortes. Os juízes também passaram a monitorar
as investigações sobre o ocorrido, inclusive a apuração da suspeita de que
agentes de segurança do complexo penitenciário deixaram de intervir
intencionalmente na briga entre facções rivais que resultou na matança.
Num artigo publicado na primeira página
da edição do último domingo, Sarney escreveu que os juízes de Execuções Penais
determinaram a prisão de “todos juntos” e “sem distinção de regime” fechado ou
semiaberto. “Isso colocou na mesma habitação, antagônicos, membros de facções
rivais e o confronto aconteceu”, escreveu o senador. Ele ainda afirmou que
nenhum dos mortos foi atingido por “guardas ou polícias, tudo entre eles”. Uma
portaria conjunta das duas Varas de Execuções Penais, na verdade, determinou o
contrário do afirmado pelo pai da governadora do Maranhão.
A portaria, de agosto deste ano,
obrigou a Secretaria de Administração Penitenciária a separar os presos
conforme o regime de cumprimento da pena e critérios como sexo, idade e
reincidência. No entendimento dos juízes Carlos Roberto de Oliveira e Fernando
Mendonça, responsáveis pelas duas varas, o Estado do Maranhão descumpre a Lei
de Execução Penal. Na portaria, eles ainda fazem a ressalva para a “contenção
das facções criminosas que dominam a vida carcerária” no estado. No último sábado,
O GLOBO publicou uma matéria mostrando que 68% das unidades prisionais do país
descumprem a norma que determina a separação dos presos conforme a natureza do
delito cometido.
– O sistema prisional vive o colapso,
a completa falência no Maranhão. Faltam vagas, trabalho aos presos e pessoal.
Nada do que existe na lei é cumprido. O artigo foi uma infelicidade do
presidente Sarney. Ele desconhece a área e se precipitou – disse ao GLOBO o
juiz Carlos Roberto.
O presidente da Associação dos
Magistrados do Maranhão, Gervásio Santos, endossou as críticas a Sarney e à sua
filha:
– Houve um flagrante equívoco do
senador. O sistema está falido e não é uma prioridade do Executivo estadual. Na
terra de Sarney, Pinheiro (cidade onde nasceu o senador), deveria ser construído
um presídio com recurso federal, mas o dinheiro já foi devolvido duas vezes.
No início da noite de terça-feira, em
resposta ao GLOBO, o senador reconheceu o equívoco e pediu desculpas aos
juízes. “Recebi a informação dos órgãos de segurança do Maranhão. Agora, ao
tomar conhecimento de que a mesma não tem fundamento, quero transmitir meu
imenso pedido de desculpas a todos os juízes das Varas de Execuções Penais do
Maranhão, reconhecendo o seu valioso trabalho”, diz a nota enviada pela
assessoria de imprensa de Sarney.
A rebelião ocorreu na última
quarta-feira, 9, na Casa de Detenção (Cadet), maior presídio de regime fechado
do estado, no Complexo de Pedrinhas em São Luís. Facções rivais teriam se
enfrentado após a descoberta de um plano de fuga. A Polícia Civil abriu uma
investigação para apurar os responsáveis pelos disparos de arma de fogo. Os
juízes das Varas de Execuções Penais decidiram requisitar informações sobre a
investigação. Não estão descartadas as hipóteses de que os disparos tenham
partido de agentes de segurança do complexo penitenciário ou de leniência no
episódio, com uma suposta demora para interferir na briga entre as facções.
– Não é possível, por enquanto,
confirmar ou negar essa informação – afirmou o presidente da Associação dos
Magistrados.
Ele ressaltou que o Maranhão não tem
um presídio de segurança máxima e que líderes de facções ficam em centros de
detenção comuns. Para Gervásio, faltam presídios no interior do Estado, o que
superlota as unidades na capital. As vagas precisariam ser duplicadas, segundo
ele.
– Medidas urgentes precisam ser
tomadas, sob pena de assistirmos a uma carnificina semanalmente.
A assessoria de imprensa da
governadora Roseana Sarney sustenta que o sistema penitenciário no Maranhão
está passando por uma reestruturação, com a construção de presídios, reformas
de prédios e concurso público. “Os juízes e promotores da Execução Penal e
defensores públicos têm acompanhado de perto todos os passos da atual
administração, inclusive com ampla participação de representantes da sociedade
civil organizada”, cita a assessoria em resposta ao GLOBO.
Um inquérito e um processo
administrativo no âmbito da Secretaria de Administração Penitenciária
investigam os procedimentos de segurança adotados na rebelião, segundo o
governo do Maranhão. “Somente o inquérito instaurado a cargo da Polícia Civil
declinará a individualização de autorias dos homicídios, lesões e demais
responsabilizações dos fatos ocorridos, inclusive mediante perícias
médico-legais e criminalísticas.”
VINICIUS SASSINE (O GLOBO)
Publicado
em 16 de outubro de 2013 por raimundogarrone
Nenhum comentário:
Postar um comentário