Nova pirâmide tem mais 16 milhões de pobres
- Além da renda, retrato socioeconômico considera escolaridade, acesso a bens, composição familiar e região
RIO - Olhando para além da renda da população, a nova classificação socioeconômica do país, montada pelos pesquisadores Wagner Kamakura (Rice University) e José Afonso Mazzon (FEA-USP), leva em conta renda, escolaridade, posse de bens duráveis, acesso a serviços públicos, entre outros, num conjunto de 35 indicadores. Esses novos critérios fizeram crescer a parcela dos pobres e extremamente pobres. Pelo modelo — que será usado a partir do ano que vem por empresas de pesquisa e publicidade para dirigir estratégias de venda — há um incremento de 13,94 milhões de brasileiros (7,3%), para 29,6 milhões (15,5%), na base da pirâmide social. São pessoas que, com renda média familiar de R$ 854 (melhor que na classificação vigente), têm pouco acesso a bens duráveis e serviços públicos, além de menor escolaridade.
Cerca de 60% desse estrato social têm apenas até três anos de estudo. E o número de banheiros por domicílio não chega a um.
A nova divisão da sociedade em classes, que também considera a região e a composição familiar, não será adotada pelo governo para definir políticas públicas. A repartição social permanecerá determinada somente pela renda, segundo o ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), Marcelo Neri. Para as empresas, a classificação substitui o atual Critério Brasil, adotado pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep).
— A realidade da sociedade brasileira mudou muito. Quando os critérios foram estabelecidos entre as décadas de 1970 e 1980, o consumo se concentrava na elite. Agora, reunimos mais indicadores para saber qual o perfil de cada classe e o que ela consome. Empresa que vende xampu não pode direcionar sua campanha só para a elite. Se quiser crescer as vendas, vai tentar atingir a classe que conseguiu aumentar sua renda — explica Kamakura.
Pelo novo levantamento, a desigualdade ainda prima. Segundo Kamakura, 54% do consumo total vêm das classes 1,2 e 3, ou seja, as mais abastadas, com a renda variando de R$ 4.600 a mais de R$ 17 mil.
— No seguro-saúde, por exemplo, as três faixas mais ricas respondem por 74% do consumo — cita Mazzon.
Desigualdade no consumo
Para desenvolver o modelo de estratificação, os professores se valeram do conceito teórico da “renda permanente”, ou seja, a capacidade que a família tem de manter seu padrão de consumo. Isso seria mais importante do que a renda corrente, aquilo que se recebe do trabalho, dos alugueis e dos investimentos.
— Um médico tem mais chance de manter a renda que um trabalhador sem muita escolaridade. Uma família mais velha, com a casa montada, vai gastar menos com bens duráveis — afirma Kamakura.
Segundo Neri, a vantagem de usar só a renda, como faz o governo, é poder trabalhar de maneira simples e direta os dados que mostram o bem-estar das famílias e que serão usados para a formulação de políticas públicas.
— É natural reavaliar os critérios. Como mudou a fita métrica (o corte da renda ficou maior), os modelos perdem comparabilidade entre si, mas ganham fidedignidade — diz Neri.
Os professores também alteraram a fonte de dados. No Critério Brasil vigente, feito pelo Ibope, a pesquisa é concentrada em nove regiões metropolitanas. A nova estrutura tomou por base a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2009, feita pelo IBGE em todo o Brasil. Assim, foi possível ver a concentração de consumo por categoria de produtos ou serviços.
Uma análise do Índice de Gini (medida de 0 a 1, que mede a concentração) mostra que itens como cereais, farinhas, óleos e gorduras estão presentes de forma igualitária em todos os sete estratos da população. O consumo de carnes, pescados, aves e ovos (0,14) e de fumo (0,15) também não é desigual entre as classes. Já ter casa própria, plano ou seguro-saúde ou frequentar escolas privadas são consumo para poucos. Nesses casos, a concentração é gigantesca, com o Índice de Gini ultrapassando 0,70, bem próximo de 1, a máxima concentração.
Mais ricos no topo
Pelo novo critério, a renda de quem é considerado classe E mais que duplicou: de R$ 415 para R$ 854. Já o corte para se identificar os mais ricos passou de R$ 11.480 para R$ 17.434. Eles, que hoje são 1,8% da população, passam a ser 2,8%. Já a classe média, que responde por 58% dos brasileiros, cai para 55,9%.
Fonte: O GLOBO
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