Introduziu-se, na Lei
Maria da Penha, o art. 12-C, nos seguintes termos: “art. 12-C. Verificada a existência de risco atual ou
iminente à vida ou à integridade física da mulher em situação de violência
doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente
afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida: I – pela
autoridade judicial; II – pelo delegado de polícia, quando o Município não for
sede de comarca; ou III – pelo policial, quando o Município não for sede de
comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia. § 1º. Nas
hipóteses dos incisos II e III do caput deste artigo, o juiz será
comunicado no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas e decidirá, em igual
prazo, sobre a manutenção ou a revogação da medida aplicada, devendo dar
ciência ao Ministério Público concomitantemente. § 2º. Nos casos de risco à
integridade física da ofendida ou à efetividade da medida protetiva de
urgência, não será concedida liberdade provisória ao preso.”
O propósito de conferir ao delegado de polícia a
viabilidade de determinar algumas medidas de proteção à mulher ofendida por
companheiro, namorado ou marido já foi tentada antes. Evitou-se a aprovação por
se considerar que essa atividade seria privativa do juiz de direito.
A Lei 13.827/2019,
entretanto, ultrapassou essa barreira e foi adiante. Admitiu que, verificada a
existência de risco atual ou iminente à vida ou integridade física da mulher em
situação de violência doméstica e familiar (ou de dependentes), o agressor
poderá ser afastado imediatamente do lar, domicílio ou lugar de convivência
(podendo ser um simples barraco embaixo de uma ponte) com a ofendida: a) pelo
juiz (nenhuma polêmica); b) pelo delegado de polícia, quando o Município não
for sede de Comarca, vale dizer, quando não houver juiz à disposição; c) pelo
policial (civil ou militar), quando não houver juiz nem tampouco delegado
disponível no momento da “denúncia” (entenda-se como fato ocorrido contra a
mulher).
Teve a referida lei a cautela de prever a
comunicação da medida ao juiz, no prazo máximo de 24 horas, decidindo em igual
prazo, para manter ou revogar a medida, cientificando o Ministério Público.
Nota-se a ideia de preservar a reserva de jurisdição, conferindo à
autoridade judicial a última palavra, tal como se faz quando o magistrado
avalia o auto de prisão em flagrante (lavrado pelo delegado de polícia).
Construiu-se, por meio de lei, uma hipótese administrativa de concessão de
medida protetiva – tal como se fez com a lavratura do auto de prisão em
flagrante (e quanto ao relaxamento do flagrante pelo delegado). Não se retira
do juiz a palavra final. Antecipa-se medida provisória de urgência (como se faz
no caso do flagrante: qualquer um pode prender quem esteja cometendo um crime).
Em seguida, menciona-se, inclusive, a viabilidade
de qualquer policial, civil ou militar, de fazer o mesmo, quando no local não
existir nem juiz nem delegado. Ora, policiais devem prender em flagrante
quem estiver cometendo crime; depois o delegado avaliar e, finalmente, o juiz
dá a última palavra.
Não se fugiu desse contexto. Não visualizamos
nenhuma inconstitucionalidade, nem usurpação de jurisdição. Ao contrário,
privilegia-se o mais importante: a dignidade da pessoa humana. A mulher não
pode apanhar e ser submetida ao agressor, sem chance de escapar, somente porque
naquela localidade inexiste um juiz (ou mesmo um delegado). O policial que
atender a ocorrência tem a obrigação de afastar o agressor. Depois,
verifica-se, com cautela, a situação concretizada.
Argumentar com reserva de jurisdição em um
país continental como o Brasil significaria, na prática, entregar várias
mulheres à opressão dos seus agressores, por falta da presença estatal
(judicial ou do delegado). O princípio constitucional da dignidade da pessoa
humana encontra-se acima de todos os demais princípios e é perfeitamente o caso
de se aplicar nesta hipótese.
Afaste-se o agressor e, após, debata-se a
viabilidade ou inviabilidade da medida. O delegado ou policial não está
prendendo o autor da agressão, mas somente “separando” compulsoriamente a
vítima e seu agressor. Uma medida de proteção necessária e objetiva.
Aliás, como tenho defendido, o delegado de polícia
é um operador do direito concursado, preparado e conhecedor das leis penais e
processuais penais. Por isso, pode, com perfeição, analisar a medida protetiva.
Pode avaliar, ainda, se lavra ou não a prisão formal pelo auto de prisão em
flagrante. E, também por isso, pode validar, em primeiro momento, a prisão em
flagrante feita por policiais na rua. Eis por que a audiência de custódia
significa uma dupla avaliação sobre a validade da prisão em flagrante (delegado
e juiz). Por isso, a audiência de custódia não tem sentido, a nosso ver. O
delegado valida o flagrante. Após, o juiz o aceita ou rejeita, sem necessidade
de se inventar um juiz de custódia.
Por outro lado, a referida lei em comento, permite
que o juiz, comunicado da medida em 24 horas, possa mantê-la ou afastá-la, como
faz com o auto de prisão em flagrante.
Preocupação deve ser levantada no tocante ao
parágrafo 2º do art. 12-C: “Nos casos de risco à integridade física da ofendida
ou à efetividade da medida protetiva de urgência, não será concedida
liberdade provisória ao preso.” Mais uma vez, o
legislador se mostra ingênuo ou totalmente desinformado. Muitos casos de
afastamento do agressor se dão em relação a crimes de ameaça ou lesão simples,
cujas penas são pífias. Como pode o magistrado ser proibido de conceder
liberdade provisória nesses casos? Essa parte não encontra suporte
constitucional, por ofender a proporcionalidade e a legalidade.
Finalmente, o registro da medida provisória (art. 38-A da Lei
Maria da Penha)é salutar, permitindo um maior controle sobre as
decisões tomadas em favor da mulher agredida.
A Lei 13.827/2019
produz um resultado positivo.
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Bacharel
em Direito pela USP, onde se especializou em Processo. Livre-docente em Direito
Penal, Doutor e Mestre em Direito Processual Penal pela PUC-SP. Professor concursado
da PUC-SP, atuando nos cursos de Graduação e Pós-graduação (Mestrado e
Doutorado). Desembargador na Seção Criminal do Tribunal de Justiça de São
Paulo. Atualmente um dos mais conceituados doutrinadores nas áreas do Direito
Penal e Processo Penal, com mais de 40 obras publicadas.
*JusBrasil 24.05.2019
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