segunda-feira, 1 de abril de 2019

Democracia, isso eu tenho em comum com a Marielle Franco


Por LUIZ HENRIQUE LIMA

Tenho visto inúmeras mensagens dizendo “Somos Marielle” e parei para pensar.

Não sou Marielle. Não sou mulher, não sou negra, não sou esquerdista, não sou homossexual, não defendo a legalização do aborto. Não tenho nenhuma das características que fizeram dessa jovem uma emergente liderança no poluído ambiente da política carioca.

Então por que sua fria e brutal execução me feriu tanto? Por que a impunidade de seus assassinos e dos mandantes me incomoda? Por que me sinto tão enojado com a multiplicação de manifestações grosseiras, preconceituosas e de ódio, quase que comemorando o crime?
 
Não sou Marielle. Não me canso de criticar ditaduras como a cubana que alguns de seus próximos aplaudem. Sou da escola de Gandhi e Luther King. Não admito a violência como arma política. Recentemente escrevi um artigo comentando o episódio em que uma autoridade do Poder Judiciário foi hostilizada dentro de um avião (A vaia no avião – 03/02/2018). Afirmei que aquela agressão foi grosseira, covarde e intolerante.

Na ocasião, muitos correligionários de Marielle aplaudiram essas vaias, porque dirigidas contra quem identificam como adversário/inimigo. Hoje, é o outro extremo do espectro político que recusa qualquer expressão de solidariedade com a família e os amigos de Marielle ou de indignação com a barbárie que foi sua execução. Mal disfarçam um certo contentamento de quem se julga dono da verdade e rosnam pelas esquinas: “Bem feito! Quem mandou defender os direitos humanos?” Isso sem contar os espíritos trevosos que forjam calúnias infames e os tolos úteis que as compartilham.

Da vaia ao ovo, do ovo ao tomate, do tomate à pedra, da pedra ao tiro, do tiro à guerra. A espiral de insanidade na luta política acelera velozmente e precisa ser detida no nascedouro. O ódio na política é um monstro insaciável. Começa com xingamentos nas redes sociais e pode chegar a programas de extermínio em massa. Há muitos exemplos na história, alguns bem próximos de nós no tempo e no espaço. Não se pode ficar indiferente a esta ameaça. É preciso reagir com firmeza, reafirmando os valores democráticos.

Sei que Marielle não foi a única vítima de homicídio no Brasil, nem é a única a merecer nossa compaixão. Também escrevi recentemente sobre a injustificável violência no país, que mata mais que a guerra civil na Síria (A caça ao jovem negro – 17/02/2018). Sou solidário às famílias de todas as vítimas de balas perdidas ou não, inclusive de muitos heroicos policiais mortos no cumprimento do seu dever de defender a sociedade, como tantas policiais mulheres, negras e mães.

No entanto, o assassinato de Marielle, juntamente com o do motorista Anderson, tem características próprias que o distinguem, por exemplo, de crimes passionais ou de conflitos contra ou entre facções de traficantes de drogas. Foi um crime político, premeditado, contra uma representante eleita dos cariocas, que se distinguia pela atuação coerente com as ideias que defendeu na campanha. Foram 13 disparos às 21:00, numa rua central do Rio de Janeiro, em plena intervenção federal do Exército na segurança pública. As mesmas mãos que apertaram o gatilho fatal, se tivessem oportunidade, não hesitariam em censurar, perseguir, prender e torturar. Naquela noite, a vítima foi Marielle, o motivo foram as causas que ela representava, mas o alvo dos criminosos, em última instância, é a democracia.

Democracia: isso eu tenho em comum com a Marielle e com a imensa maioria dos brasileiros. Também como ela, por convicção profunda, sou defensor dos direitos humanos e penso que não se pode admitir nenhum retrocesso nas liberdades democráticas tão duramente conquistadas com a derrota da ditadura militar: liberdade de expressão, de crença religiosa, de manifestação, de associação etc.

Pensando bem, neste sentido, é possível dizer que, pelo menos um pouco, sou Marielle e, em sua memória, defendo que o debate público seja feito com muita clareza e firmeza de opiniões, total respeito aos adversários e nenhuma espécie de violência.
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LUIZ HENRIQUE LIMA, ex-deputado estadual no Rio de Janeiro, atualmente é Conselheiro substituto do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso (TCE-MT).

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