sexta-feira, 31 de maio de 2019

Roupas de carceragem no Júri e a dignidade da pessoa humana


Por Osny Brito da Costa Junior* 

É comum nas carceragens brasileiras, o réu preso ser encaminhado ao plenário do tribunal do júri com roupas de presídios padronizadas (cor azul, amarela, laranja), macacão para identificação da pessoa do preso. No entanto, conforme as normas mínimas para o tratamento do preso, estabelecidas pela Organização das Nações Unidas (resolução 663 C I (XXIV), de 31 de julho de 1957, aditada pela resolução 2076 (LXII) de 13 de maio de 1977), no 17. 3, fica estabelecido que o preso ao sair do instituto penitenciário tem o direito de vestir suas vestimentas civis. Senão vejamos:

“Em circunstâncias excepcionais, quando o preso necessitar afastar-se do estabelecimento penitenciário para fins autorizados, ele poderá usar suas próprias roupas, que não chamem atenção sobre si...”.

Assim, caberá ao defensor garantir no caso concreto que o preso seja sempre submetido ao tribunal do júri com suas vestimentas civis, pois se trata de verdadeiro direito fundamental da pessoa humana, o direito de ser julgado com suas próprias vestimentas.

Além disso, é certo que se o acusado for a julgamento popular com o “macacão” do presídio, causará influência indevida no ânimo dos senhores jurados, que tenderão a condená-lo, bem como a presumir culpa e risco à sociedade.

Ademais, é certo que adotamos o direito penal do fato e não o direito penal do autor, onde se julga o fato praticado pelo acusado e não a pessoa ou vestimentas, todavia, o tribunal do júri é formado por juízes leigos que decidem de forma desmotivada, sem expor as razões, o que deve ser sempre observado em face do princípio do sigilo das votações, por tal razão é temerária a presença de um símbolo de culpa como esse no júri.

Logo, não deve o defensor aceitar realizar a sessão de julgamento, quando o preso estiver com os “macacões” de presídio, por evidente ofensa as normas mínimas de tratamento ao preso, estabelecidas pela Organização das Nações Unidas, e, sobretudo, ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana do preso (art. 1, inciso III, CF/88).

Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988, o art. 5, inciso III, estabelece que “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, vedando, ainda, qualquer discriminação atentatória aos direitos e liberdades fundamentais (inc. XLI, art. 5. O CF/88). Portanto, a submissão do réu preso a um julgamento público com vestimentas padronizadas de presídios provoca ofensa aos direitos fundamentais do preso.

No Estado Democrático de Direito o princípio da dignidade da pessoa humana é um dos alicerces de todo o sistema constitucional, que aliado a prevalência dos Direitos Humanos (inc. III art. 1. O cc. Inciso II do art. 4. O CF/88), apresenta efeito "erga ommes”.

De mais, vê-se ainda que o princípio da isonomia também é ofendido, ao passo que os acusados de crimes dolosos contra a vida que respondem o processo em liberdade podem ir livremente ao julgamento trajando qualquer vestimenta, enquanto que os réus presos seriam coagidos a vestirem uniformes “macacão” de presídio. Nesse sentido, estabelece o art. 5o, da CF/88, que “todos são iguais sem distinção de qualquer natureza...”.

Com efeito, uma alternativa para evitar tamanho prejuízo a defesa do réu, seria o defensor requerer ao magistrado-presidente da sessão de julgamento que o réu possa usar suas vestimentas civis fornecidas pela família, mesmo que somente no momento da sessão de julgamento.

O importante é garantir ao acusado preso por crime doloso contra a vida, um julgamento justo e imparcial, assegurando-se como direito fundamental o uso de vestimentas civis condignas no seu próprio julgamento.

A submissão de um réu preso a julgamento com vestimentas dos presídios poderá configurar nulidade no processo, ao passo que deposita sobre os jurados pressão indevida e influência negativa no julgamento, afetando a imparcialidade do conselho de sentença, o que configura grave atentado contra os citados direitos fundamentais e violação à norma internacional de diretos humanos. Por tal razão, o defensor deve sempre realizar o devido protesto na ata da sessão de julgamento, para eventual discussão em sede de apelação criminal.

Além disso, os julgamentos no tribunal do júri são marcados pela publicidade, pela presença da mídia, onde a imagem do preso com “macacão” poderá ser exposta em jornais e redes sociais, causando irreparável constrangimento a imagem e personalidade do preso.

Importante destacar, que mesmo preso preventivamente, prevalece o princípio da presunção de inocência, sendo todo acusado inocente até que haja sentença penal condenatória transitada em julgado, o que reforça ainda mais o direito fundamental do réu poder usar as suas vestimentas normais em seu próprio julgamento.

Dessa forma, sendo o conselho de sentença formado por juízes leigos, mostra-se de extrema relevância a abolição dos símbolos de culpa, tais como os “macacões” de presídios, que são verdadeiras formas de tratamento vexatório ao preso e ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana.
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*Osny Brito - Advogado Criminalista, Militante do Tribunal do Júri, Membro da Comissão de Direitos Humanos OAB-AP, graduado pela Universidade Federal do Amapá.
Professor e Advogado
Advogado, Vice-Presidente da OAB/AP, Diretor Geral da ESA/AP, Mestre em Direito Penal na Sociedade da Informação pela FMU-SP. Doutorando em Direito Penal pela Universidad de Buenos Aires. Especialista em Direito Penal Econômico e Europeu (Universidade de Coimbra); Direito Penal e Processual Penal (Gama Filho-RJ); Especialista em Direito Penal e Processual Penal (Escola Paulista de Direito). Professor, escritor e palestrante. Saiba mais em: www.aurineybrito.com.br.

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