segunda-feira, 4 de novembro de 2013


O "cafezinho" a peso de ouro e a dignidade humana a preço de banana


Vejo com especial perplexidade a matéria veiculada nas principais mídias no último dia 1º de novembro, revelando que o Ministério das Relações Exteriores (MRE) gasta R$159,00 por pessoa para servir o café da manhã a diplomatas e chefes de Estado. Ao proceder a uma auditoria, o Tribunal de Contas da União (TCU) suspeita de possível “sobrepreço” na contratação do Buffet responsável por servir o Itamaraty (leia mais em: http://g1.globo.com/política/noticia/2013/11/tcu-identifica-sobrepreco-em-banquetes-oferecidos-pelo-....
Seja qual for o argumento utilizado para justificar o escorchante preço do café da manhã das autoridades beneficiadas, não nos escapa a merecida crítica que o fato comporta.
Apenas para pontuar, em uma cidade de porte médio, como Juiz de Fora (MG), o preço da cesta básica no mês de novembro (com aumento) bateu na casa dos R$240,00. Em São Paulo, o preço, com aumento, chegou na casa dos R$370,00. Anote-se que o cálculo da cesta básica utiliza como parâmetro uma família de 4 pessoas (2 adultos e 2 crianças), devendo a cesta alimentá-la por 1 mês.   
Segundo dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) em seu último relatório sobre a segurança alimentar, divulgado no dia 01/10/2013, apesar de ter reduzido de 1992 até 2013, chega a 13,6 milhões o número de brasileiros que passam fome. Antes eram 22,8 milhões (http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2013-10-01/numero-de-brasileiros-que-passam-fome-cai-40-em-20-anos-revela-pesquisa-da-onu.html). Como justificar um café da manhã ao custo de R$159,00 por pessoa diante de um fato desses?
Nada obstante, outros fatos não escapam de críticas quando confrontados com o “cafezinho” do Itamaraty.
No campo da saúde, a contratação de médicos cubanos oferece um panorama bastante claro da falência do modelo de gestão da saúde pública no Brasil. O Sistema Único de Saúde (SUS) não consegue fornecer ao cidadão atendimento adequado de maneira uniforme. Em algumas localidades funciona bem ou razoavelmente; em outras faltam médicos, equipamentos e remédios. Pessoas morrem por falta de atendimento básico. O Estado, frequentemente, deixa de prover meios de cura e terapias mais sofisticados ao cidadão, ao argumento de que o falacioso princípio da reserva do possível torna inviável esse tipo de atendimento. Especialistas dizem que o problema da saúde pública no Brasil não é falta dinheiro, mas de gestão adequada. Seja como for, se for falta de dinheiro, boa parte dele, que poderia atender a um doente, é utilizado para oferecer buffets como o do Itamaraty. Se o problema recai sobre a gestão, algo está errado na gerência do dinheiro público, ao se permitir que um café da manhã desse nível seja servido àquelas autoridades que, exatamente por ocuparem os cargos que ocupam, deveriam ser mais sensíveis às mazelas sociais e renunciarem a tal luxo.
Na esfera da segurança pública, não é diferente. Falta investimento, centenas de delegacias Brasil afora estão sucateadas, trabalhando com péssimos equipamentos, com as instalações cheias de infiltrações, com a pintura descascando. Os presídios estão superlotados, com péssimas condições de higiene, os salários dos policiais são inadequados ante todo o risco que envolve o respectivo múnus.
Na área do transporte público, as manifestações desencadeadas pelo movimento Passe Livre também são um “termômetro” a identificar sua péssima situação. Diariamente o brasileiro é obrigado a enfrentar o ônibus, metrô e trens lotados, em péssimo estado de conservação. A cada ano que passa, a estrutura urbana se mostra ainda mais insuficiente a suportar a demanda por transporte.
Finalmente, chegamos à educação – direito dos mais sagrados e dos que possui menor qualidade. Quem dera metade do que se gasta para alimentar um diplomata ou chefe de Estado no café da manhã fosse aplicado para suprir as necessidades do setor educacional! A educação no Brasil está sucateada, a remuneração dos professores é uma vergonha. Patrícia Sposito Mechi, Professora de História Contemporânea da Universidade Federal do Tocantins (UFT), afirma que “se, há alguns anos, era senso comum que tínhamos uma educação pública de péssima qualidade, escolas sucateadas, professores despreparados e mal pagos, enfim, todo um sistema educacional falido, hoje a avaliação da má qualidade do ensino público se mantém, apesar dos recursos garantidos a partir da constituição de 88 e das leis editadas nos anos 90” (http://www.espacoacademico.com.br/066/66mechi.htm).
Ora, se há recursos, mas estes não são devidamente empregados na educação, há má gestão, sendo que um gasto portentoso como este, de R$159,00 por pessoa, para suprir um café da manhã, é algo inadmissível em um país com tantas mazelas sociais ainda longe de serem sanadas, como é o caso do Brasil. Em muitas escolas, a merenda escolar é garantida graças à catação de frutas, legumes e verduras que iriam das CEASA’s para o lixo. Enquanto autoridades degustam alimentos de primeira linha, nutricionistas dedicados tentam salvar alimentos que, em tese, seriam impróprios para o consumo humano, de modo a aproveitá-los para prover crianças e adolescentes, muitas das quais vão à escola exclusivamente pela merenda, pois não têm o que comer em casa.
O exposto neste texto, por obvio, não esgota o assunto. Tampouco possui caráter conclusivo, mas meramente ilustrativo, sobre a situação de milhões de brasileiros que convivem com a falta de saúde, transporte, segurança pública, educação e, principalmente, alimentação.
Enquanto milhões lutam para ter ao menos um pedaço de pão para comer, o governo alimenta autoridades servindo-lhes as iguarias mais refinadas.
Enquanto o governo alimenta as autoridades a preço de ouro, a dignidade do cidadão comum segue a preço de banana.
 Por  Vitor Guglinski 

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