domingo, 16 de abril de 2017

NOTA TÉCNICA SOBRE A “REFORMA TRABALHISTA”



Análise preliminar do Substitutivo ao Projeto de Lei no 6.787/2016 

1. Trata-se, desde logo, da mais profunda e extensa reforma trabalhista que se propõe nos últimos 70 anos (pós-CLT).

2. O Substitutivo desloca o eixo de proteção social, baseado no princípio de que o “trabalho não é mercadoria”, para um sistema individualista, baseado na lógica do mercado, retrocedendo até mesmo aos princípios fixados no Código Civil Brasileiro.

3. Ausência de “Diálogo social”: O primeiro e mais geral aspecto a se reconhecer é a ausência de diálogo social em relação a essa proposta de reforma. O PL no 6.787/87, conforme encaminhado pelo Governo, já exigia que se ampliasse o diálogo sobre as consequências de sua aprovação, tendo em vista o eixo das propostas de contratos precários (para diferenciar dos contratos de trabalho por prazo determinado); a proposta de prevalência de negociado sobre legislado, como regra; a criação de representação no local de trabalho e o deslocamento para incentivar acordos por empresa sem a participação sindical ou com participação sindical mitigada e o incentivo às fórmulas extrajudiciais de composição de conflitos. Claramente, naquela proposta, se estava a deslocar o sistema protetivo trabalhista. No entanto, o Substitutivo apresentado pelo Relator, Deputado Rogério Marinho (PSDB/RN), foi muito além da proposta original. 

Tratou de aprofundar a precarização com:

(a) fortalecimento dos acordos individuais em detrimento da lei e de acordos e convenções coletivas;

(b) estímulo aos contratos precários: amplia o contrato a tempo parcial; flexibiliza regras do temporário; retira a obrigação ainda que subsidiária dos contratos de terceirização; cria o contrato intermitente; regulamenta o teletrabalho por meio de “tarefas”, sem correspondência com a “duração do trabalho”;

(c) altera regras processuais de prescrição com menor tempo e na vigência do contrato;

(d) afasta da Justiça do Trabalho possibilidade de anular acordos e convenções coletivas contrárias à lei;

(e) dificulta e encarece o acesso à Justiça do Trabalho;

(f) afasta os sindicatos da assistência nas demissões e no pagamento de verbas rescisórias;

(g) cria uma representação de trabalhadores com maior possibilidade de sofrer interferência do empregador, pela ausência de vínculo sindical, e com poderes para “conciliar” e quitar direitos trabalhistas;

(h) cria regras processuais para limitar a jurisdição trabalhista (restringindo a atuação da Justiça do Trabalho nos processos individuais);

(i) retira o conceito de “demissão coletiva” para afastar a obrigatoriedade de negociação prévia nestes casos;

(j) flexibiliza a jornada de trabalho de modo a permitir que o empregado trabalhe 12 horas ininterruptas, mediante mero contrato individual de trabalho, e sem intervalos;

(k) acaba com o pagamento da chamada “hora de percurso” (horas in itinere); 

(l) altera o conceito de grupo econômico, dificultando o recebimento de créditos trabalhistas;

(m) altera o conceito de “tempo à disposição do empregador”, facilitando trabalho sem pagamento de horas extras;

(n) restringe as hipóteses e fixa limites para as indenizações por danos morais e patrimoniais;

(o) permite que acordos coletivos, mesmo quando inferiores, prevaleçam sobre convenções coletivas;

(p) permite que a negociação coletiva retire direitos e prevaleça sobre a lei; 

(q) lista exaustivamente os casos em que os acordos não podem reduzir ou retirar direitos, dando margem para a interpretação de que tratando-se de uma “exceção”, tudo o mais poderá ser retirado ou reduzido;

(r) dificulta as execuções trabalhistas na sucessão de empresa ou nos casos de desconsideração da personalidade jurídica do empregador (tema clássico do direito do trabalho);

(s) amplia expressamente a terceirização para a atividade-fim (principal) da empresa e exclui a responsabilidade subsidiária da contratante na cadeia produtiva;

(t) transforma todas as contribuições de custeio ou financiamento sindical em facultativas, exigindo prévia autorização individual para a sua cobrança e desconto;

(u) desconstrói um conjunto de súmulas trabalhistas relacionadas a proteção ao salário, jornada de trabalho, tempo à disposição, integração de parcelas para empregados com mais de 10 anos, comissões e prêmios;

(v) altera o conceito e dificulta a aplicação dos casos de equiparação salarial (trabalho igual, salário igual);

(w) cria a figura da extinção do contrato de trabalho “por acordo”, diminuindo as indenizações pela metade;

(x) admite a cláusula de arbitragem (com afastamento da Justiça) nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração exceda 2 vezes o teto da previdência (remuneração acima de R$11.100,00);

(y) veda a ultratividade de acordos e convenções coletivas;

(z) e inúmeras outras alterações com revogação expressa de diversos dispositivos da CLT.

Desse breve balanço, que alcançou todo o alfabeto, não se produziu um único espaço de diálogo que levasse em consideração os atores sociais e nem mesmo uma reflexão acerca das consequências da destruição da legislação trabalhista brasileira, do enfraquecimento dos sindicatos e da mais profunda e extensa proposta de precarização das relações de trabalho dos últimos 70 anos.

4. Conflito com normas internacionais, em especial OIT: A proposta conflita com diversas normas de diplomas internacionais que foram adotados pelo Brasil, em especial Convenções e Recomendações da OIT. Alguns exemplos:

(a) Ausência de diálogo social - Convenções OIT n. 87, 98, 144, 150, 151 e 154 e as Recomendações que as complementam; Recomendação n. 113; Resolução OIT relativa ao tripartismo e ao diálogo social, adotada pela Conferência Internacional do Trabalho em sua 90a reunião (Genebra, 18 de junho de 2002);

(b) Retira o conceito de demissão coletiva e obrigatoriedade de negociação coletiva prévia - Convenções OIT n. 11, 87, 98, 135, 141 e 151, ilustrativamente, não permitem as dispensas trabalhistas coletivas procedidas de maneira unilateral pelo empregador por se tratar de ato/fato coletivo, inerente ao Direito Coletivo do Trabalho, pelos impactos que a decisão empresarial adquire;

(c) Incentiva contratos precários e jornadas de trabalho exaustivas por mero acordo individual de trabalho: em especial as oito convenções que compõem o conjunto reconhecido em 1988 como “Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho”: A Convenção (no 29) sobre Trabalho Forçado, de 1930, a Convenção (no 105) sobre Abolição do Trabalho Forçado, de 1957, a Convenção (no 87) sobre Liberdade Sindical e Proteção do Direito de Organização, de 1948, a Convenção (no 98) sobre Direito de Organização e de Negociação Coletiva, de 1949, a Convenção (no 100) sobre Igualdade de remuneração, de 1951, a Convenção (no 111) sobre Discriminação no Emprego e na Profissão, de 1958, a Convenção (no 138) sobre Idade Mínima, de 1973, e a Convenção (no 82), sobre as Piores Formas de Trabalho Infantil, de 1999;

(d) Enfraquece a ação e atuação sindical, restringindo e dificultando suas fontes de custeio: Convenções OIT 98, 135 e 154 e, ainda, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966) – Aprovado pelo Brasil – Decreto Legislativo no 226, de 12.12.1991 e promulgado pelo Decreto no 592, de 6.7.1992, especialmente no seu artigo 22; O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966) - Aprovado pelo Brasil – Decreto Legislativo - Aprovado no Brasil pelo Decreto Legislativo no 226, de 12.12.1991 e promulgado pelo Decreto no 591, de 6.7.1992, especialmente em seu artigo 8o; A Convenção Americana dos Direitos Humanos – adotada na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em San José da Costa Rica, em 22.11.1969 – Aprovada pelo Brasil pelo Decreto Legislativo no 27, de 25.9.1992 e promulgada pelo Decreto no 678 de 6.11.1992, especialmente no artigo 16; o Protocolo adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e culturais – adotado pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos em 17.11.1988 – Aprovado pelo Brasil – Decreto Legislativo no 56, de 19.4.1995 e promulgado pelo Decreto no 3321, de 30.12.1999, especialmente em seus artigos 2o, 5o e 8o e, finalmente, a Declaração sócio-laboral do MERCOSUL.

5. Conflito com a Constituição de 1988: a proposta também apresenta dispositivos que se acham em desacordo com a Constituição Federal.

(a) Desprotege a relação de emprego: artigo 7o, caput e inciso I;

(b) Cria condições precárias e amplia a terceirização: artigo 7o, caput e ainda os arts. 1o, IV; 7o a 10; 170, VIII, e 193;

(c) Enfraquece os sindicatos: artigo 8o;

(d) Inibe ou afasta a Jurisdição trabalhista: artigo 5o, XXIX e artigo 114;

(e) Admite acordos individuais para compensação de horas e outras modalidades precarizantes: art. 7, caput e em especial incisos VI e XIII.

6. Conclusão: O Substitutivo apresentado pelo Relator Deputado Rogério Marinho está a exigir contundente manifestação e oposição ao seu conteúdo por parte de todos aqueles que têm o compromisso de defender os direitos dos trabalhadores e as conquistas sociais dura e minimamente alcançadas ao longo dos últimos 70 anos. Enviaremos um detalhado quadro das alterações pretendidas, com as observações quanto às suas consequências jurídicas.
Brasília, 13 de abril de 2017.
FONTE: CUT Nacional - Nossos sócios José Eymard Loguercio e Fernanda Caldas Giorgi, juntamente com o advogado de LBS, Antonio Fernando Megale Lopes, apresentam uma análise preliminar do substitutivo da reforma trabalhista apresentada pelo Deputado Federal Rogério Marinho filiado ao PSDB/RN. 

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