sexta-feira, 4 de julho de 2014

A Justiça é nobre, mas não o são alguns juízes!


O mês de julho começou especialmente estarrecedor para quem acompanha o noticiário jurídico do país. No dia 01/07/2014, o jornal Século Diário publicou a notícia de que dois juízes capixabas utilizaram perfis falsos na internet para difamar um advogado, supostamente por não gostarem da atuação aguerrida do referido causídico perante a Justiça estadual do Espírito Santo (leia em:http://seculodiario.com.br/17615/9/juizes-capixabas-usaram-perfis-falsos-para-difamar-advogado-1).
Mal o choque da notícia acima vem sendo absorvido, foi a vez de o jornal Estadão noticiar, no dia 03/07/2014, a condenação do juiz de direito Gersino Donizete do Prado, pelo TJSP, à pena de 8 anos e 4 meses de prisão, pela prática do crime de concussão contra um empresário do ABC paulista. No caso, o magistrado, para não converter em falência uma recuperação judicial, exigia, habitualmente, do indigitado empresário, joias, relógios, além de dinheiro em espécie (leia em:http://folhapolitica.jusbrasil.com.br/noticias/125607797/tj-sp-condena-juiz-que-exigia-da-vitima-joi....
Pois bem, para comentar esses casos estarrecedores, julguei oportuno republicar, com adaptações, um artigo que escrevi no ano de 2011, intitulado “A Justiça é Nobre, mas não o são alguns juízes”, conforme as linhas que se seguem.
No dia 15/03/2011 o criminalista Luiz Flávio Gomes, baseado em pesquisa realizada por Roberta Calix Coelho Costa, divulgou em seu blog alguns dados sobre a confiabilidade dos brasileiros na Justiça (http://atualidadesdodireito.com.br/lfg/2011/03/15/corrupcao-64-declararam-queajusticaepouco-ou-n...), obtidos a partir de duas pesquisas concluindo que: "64% dos entrevistados declararam que a Justiça é pouco ou nada honesta e 59% alega que o Judiciário recebe influência do poder político ou dos outros poderes do Estado", sendo que a sensação de impunidade e o tráfico de influência dentro dos Poderes Constituídos, ao que parece, são as principais causas de corrupção dentro do Poder Judiciário.
Além das respostas fornecidas pelos entrevistados, a pesquisa contou, ainda, com dados fornecidos pelo Ministro Gilson Dipp, com base em constatações durante sua gestão no CNJ entre os anos de 2008 e 2010, sendo que aquele magistrado revelou seu estarrecimento em relação à quantidade de casos envolvendo corrupção no Judiciário, os quais imaginava serem fatos isolados.
A pesquisa em questão diz que os brasileiros não confiam na Justiça, e sobre isso penso seja bom registrar que as pessoas não devem confundir as instituições com os agentes que as congregam.
O Poder Judiciário é instituição vital ao bom funcionamento de qualquer sociedade, e a função de julgar existe desde as suas formas mais rudimentares e informais até as mais avançadas e institucionalizadas.
Não se perca de vista que o ser humano é passível de falhas, porquanto é de sua essência, fato que é objeto de estudos tanto no campo científico quanto no religioso, e pode ser que nunca seja possível encontrar uma resposta satisfatória para os comportamentos humanos.
Com vistas nisso, a lei foi o instrumento de referência desenvolvido pelo Homem para tentar estabelecer comportamentos uniformes, baseando-se no chamado homem médio, ou seja, aquele dotado do mínimo ético desejável pela maioria de seus pares para o convívio harmonioso em sociedade, sendo que essa probidade básica varia conforme a cultura de cada povo. Porém, sempre busca-se o bem.
Para integrar a magistratura, exige-se conhecimentos jurídicos, cultura geral mais ampla possível e um comprometimento ético e moral verdadeiramente extraordinários do candidato. Os concursos tem se tornado cada vez mais difíceis, sendo que o CNJ, através da Resolução nº 75/2009, aumentou o rol de conhecimentos que devem ser dominados pelos candidatos ao cargo de juiz, e que vão além das matérias ditas técnicas. São elas: Sociologia do Direito, Psicologia Judiciária, Ética e Estatuto Jurídico da Magistratura Nacional, Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito e da Política. Dessa forma, o CNJ espera contar com juízes mais aprimorados, tanto do ponto de vista técnico quanto do humano.
Não há nada de errado com o Poder Judiciário, enquanto instituição abstratamente considerada. Há, sim, mazelas na conduta de alguns juízes – indivíduos frequentemente pedantes, arrogantes, de baixo grau cultural, sem amor pelo próximo etc., capazes de arruinar sobremaneira a vida dos jurisdicionados.
A gravidade da conduta desviada de alguns juízes reside no fato de que, por ser conhecedor de todo o sistema jurídico, de seus detalhes, do que é proibido e permitido, ao menos presumidamente, é que o magistrado deve proceder do modo mais reto possível. Exatamente por esse fato é que os magistrados, quando agem em desconformidade com as normas jurídicas e com os preceitos éticos e morais que devem governar a vida em sociedade, são merecedores de punições muito mais severas do que a pessoa leiga em matéria jurídica, e com o mínimo de recursos, registre-se. É como no Direito do Consumidor, em que este é a parte vulnerável, uma vez que o fornecedor é quem conhece os meios de produção, a tecnologia que envolve o desenvolvimento de um produto ou de um serviço, o sistema de distribuição no mercado etc. Aliás, sobre tais características, são insuperáveis as conclusões do Desembargador José Carlos Xavier de Aquino ao relatar o processo em que o juiz Gersino Donizete do Prado foi condenado. Valendo-se das lições do Desembargador José Renato Nalini – presidente do TJSP, aquele magistrado registrou:
"Os juízes devem ser considerados pelas partes pessoas confiáveis, merecedoras de respeito e crédito, pois integram um estamento diferenciado na estrutura estatal. Espera-se, de cada juiz, seja fiel à normativa de regência de sua conduta, sobretudo em relação aos preceitos éticos subordinantes de seu comportamento.
Por isso é que as falhas cometidas pelos juízes despertam interesse peculiar e são divulgadas com certa ênfase pela mídia. Tais infrações não atingem exclusivamente o infrator. Contaminam toda a magistratura e a veiculação do ato isolado se faz como se ele fora conduta rotineira de todos os integrantes da carreira."
Sobre isso, já foi escrito pelo filósofo e cientista Omar Khayyám, em sua obra Rubáyát:
"Não deixes teu saber magoar os outros, vence-te, e a tua cólera, também; e terás paz, se em te ferindo a sorte tu gargalhares – sem ferir ninguém."
Ou seja, o sábio poeta diz nada menos que: não utilize sua sabedoria para o mal!
No caso dos juízes, toda a sociedade fica vulnerável quando um magistrado ou um órgão colegiado falham. Mais ainda se falharem dolosamente, transitando pelas raias da corrupção, da troca de favores, do crime, cientes de que estão agindo desviadamente.
A frequência dos casos envolvendo corrupção, como dito pelo prof. Luiz Flávio Gomes na pesquisa mencionada no introito deste texto nos dá a impressão de aparente isolamento. No entanto, mesmo que sejam casos pontuais, penso que a lição de Piero Calamandrei se aplica analogicamente:
"O bom juiz põe o mesmo escrúpulo no julgamento de todas as causas, por mais humildes que sejam. É que sabe que não há grandes e pequenas causas, visto a injustiça não ser como aqueles venenos a respeito dos quais certa medicina afirma que, tomadas em grandes doses, matam, mas tomadas em doses pequenas, curam. A injustiça envenena, mesmo em doses homeopáticas."
Dito isso, a corrupção sempre contaminará as instituições, mesmo que seja detectada em casos isolados.
O problema, a meu ver, transita pela esfera íntima do indivíduo; é problema de "diálogo com o próprio travesseiro", se é que o leitor me entende. A questão não é o juiz agir mal por ser conhecedor de uma estrutura corporativista que o protege, por saber que dificilmente será apanhado com a “boca na botija”, que não será punido, mas fazer o certo pelo fato de ser um depositário da confiança da sociedade e de seu país, e, acima de tudo, por uma questão de fé, por desejar viver "de forma que, quando morrermos, até o agente funerário sinta saudades", nos dizeres de Mark Twain.
Aristóteles, em sua obra Ética a Nicômacos, balizava:
"As coisas que temos de aprender antes de fazer, aprendemo-las fazendo-as – por exemplo, os homens se tornam construtores construindo, e se tornam citaristas tocando cítara, da mesma forma, tornamo-nos justos praticando atos justos, moderados agindo moderadamente, e corajosos agindo corajosamente."
Não critiquemos o pomar por conta das laranjas podres.
Vitor Guglinski
Publicado por Vitor Guglinski
Advogado. Pós-graduado com especialização em Direito do Consumidor. Membro correspondente do Instituto Brasileiro de Política e Direito do...

* Artigo originalmente publicado no ano de 2011, e adaptado nesta oportunidade.

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